Criança

Liberte o saci que existe em você

Imagem Liberte o saci que existe em você

Publicado em 26/02/2012, às 21h00 por Redação Pais&Filhos


Por Djair Galvão
O olhar das crianças tem um brilho especial porque nem sempre os medos são tão verdadeiros quanto muitos adultos supõem depois que 'perdem' a criança interior. Pais que querem poupar demais seus pequenos podem tirar deles a chance de tomar contato com situações que, mais na frente, poderiam servir para despertar o interesse pelo conhecimento ou pela criação literária e artística.
Digo isso par ilustrar minha condição de autor de livro infantil, nascida dos primeiros contatos com as ricas histórias do folclore brasileiro. Repletas de seres lendários, monstros e criaturas assustadoras – ou mesmo engraçadas -, as ricas criações populares que levam apenas a assinatura do tempo e das tradições são uma fonte inesgotável de criação e de estímulo.
Quem não se emocionou um dia lendo ou ouvindo a história triste do Negrinho do Pastoreio, que no sul do Brasil é o embrião do Saci-Pererê? E o próprio Saci, com suas travessuras, truques e maldades nem tão más assim, conseguia prender a nossa atenção para um universo que é particular dos pequenos: o poder de transformar coisas, de ser herói, de atravessar realidades que a maioria dos adultos imagina serem instransponíveis para criaturinhas tão 'frágeis'.
Este era o meu mundo quando despertei para a literatura, no interior do Rio Grande do Norte, levado pelos encantos dos gibis e das histórias contadas em noites de lua e, depois, por meio do contato com o cordel e diversos elementos da cultura popular nordestina, brasileira e mundial. Tudo quanto é coisa impossível acontece neste mundo de letras e do imaginário popular, e é exatamente isso que se busca quando se quer ampliar os horizontes da realidade.
Dos ingredientes que usei para criar o livro "O Saci de Duas Pernas", primeira obra que publiquei em 2008 (1ª edição), seguramente lá estavam os 'medos' infantis, agora com um propósito: transportar os meus futuros leitores para o mundo dos grandões, dos valentões e daqueles que, por desvios de conduta, formação ou perversidade, sentem-se bem provocando tristeza e dor aos outros. Esta realidade também estava nas salas de aula onde lecionava, nas redes estadual e municipal de São Paulo, e serviu de reforço à ideia do livro.
E o caminho que escolhi foi justamente usar um personagem muito conhecido do folclore brasileiro, dar-lhe uma roupagem imaginária para que provocasse uma reflexão. Ao ter uma perna "a mais", o Saci poderia usufruir uma condição privilegiada. Mas não é bem assim o que acontece, pois é vítima de dor, sofrimento, perseguição e toda sorte de preconceito por não ser "igual" aos demais. O enredo embute exatamente a condição em que se encontram crianças, adultos e jovens que sofrem por não terem as características exigidas para o que é padronizado como sendo o normal.
Colocar essas e outras situações no papel foi apenas o início de uma longa batalha para abrir espaço e fazê-la conhecida em quantos lugares fosse possível. Originalmente, a história foi escrita por mim no ano 2000, mas levei duros oito anos para viabilizar o projeto editorial, que agora já está na segunda edição (2009). Com a obra em mãos, o passo seguinte foi percorrer livrarias, apresentar o trabalho a amigos e educadores e realizar lançamentos.
Tive o apoio da Secretaria de Educação do Rio Grande do Norte, que me abriu espaço para lançar o livro em diversas cidades daquele Estado. Por lá, pelo menos uma dezena de prefeituras adotou o livro para trabalhar questões como inclusão, diversidade e respeito às diferenças em salas de aula. O mesmo depois aconteceu em bairros da capital paulista. Passei a aceitar convites de escolas públicas e particulares para conversar com os estudantes e expor o que seria aquela criaturinha que sofre por "ter em excesso".  A obra está hoje em pelo menos 30 diferentes colégios da cidade e também em alguns do interior de São Paulo. Sempre que convidado, vou ao encontro da garotada para brincar e falar de medos e travessuras, contra os travessos da maldade e da crueldade.
De fato, impressiona muito o que provoca o contato das crianças com uma situação como esta em que a ordem é subvertida e o personagem sofre muito. Dos encontros, brotam risos e até choros porque o olhar infantil não se preocupa com o medo do "bicho-papão" tradicional, mas com os que fazem maldades verdadeiras, provocam sofrimentos reais, sejam eles físicos ou psicológicos.
Sabemos que os desenhos animados da nova era se encarregaram de amortecer o peso da violência visual na cabeça das crianças, além do que ninguém mais está imune aos efeitos do mundo real via internet ou demais meios de comunicação de massa. A instantaneidade não permite mais imaginar criancinhas apavoradas com a Mula-Sem-Cabeça ou o Saci-Pererê, e sim com a violência gratuita e outros problemas dos grandes centros e cidades médias.
O desejo das crianças é por um mundo verdadeiramente dominado pela amizade, pelo companheirismo e pelo respeito, a despeito dos que continuam, e continuarão, sentido prazer em provocar danos aos seus semelhantes. São coisas da natureza humana que, certamente, não tem literatura, cuidados clínicos nem educação que tire completamente – e existem desde que o mundo é mundo. O papel de quem escreve para crianças é exatamente reforçar esse anseio pelo melhor, a fascinação pelo que realmente nos faz pessoas melhores e completas. E trabalhar as contradições é fundamental para garantir fluidez ao processo criativo.
Escrever “O Saci de Duas Pernas” foi uma experiência pessoal que teve apenas começo, pois o autor nem sempre sabe onde vai parar aquilo que escreve, e pode ser que o seu desejo inicial seja extrapolado. Dou como exemplo esta obra, originalmente voltada para crianças, que certo dia foi parar em processo trabalhista envolvendo um ex-empregado de uma multinacional, no Tribunal Regional Federal de Brasília. A juíza citou a obra na sentença em que condenou a empresa por provocar "danos psicológicos e morais" ao ex-funcionário, que é negro. Sua condição provocou a ira de gerentes, que o tratavam como "Saci", atribuindo a este os erros e problemas vividos no trabalho, coisa que o levou à demissão e a problemas de saúde, financeiros e afins. Não menos curioso foi ver o canal por assinatura Multishow postar na internet uma montagem de telejornal intitulado "Sensacionalista" em que o personagem é exatamente "um saci que nasce com duas pernas". O vídeo também foi exibido na tevê.
Tive o prazer do livro despertar o interesse do teatro amador, e O Saci de Duas Pernas virou peça infantil montada em São Paulo pela companhia de teatro amador "Arteiros Espetaculosos", do diretor Reggie Fontes. Percorreu e percorre casas de cultura e Centros Educacionais Unificados, além de escolas.
Todavia, o mais gratificante tem sido ir até as crianças, conversar e sentir a reação delas ao tomar contato com essa realidade aumentada de um saci que até ontem não entrava na cabeça de ninguém. E sentir como a condição do personagem logo é reconhecida na sala de aula, está no olhar do garoto que usa óculos com lentes grossas, da menina de aparelho nos dentes, no coleguinha que tem dificuldades motoras ou nos amigos, parentes e desconhecidos que vivem em condições especiais. É este olhar generoso da maioria que alimenta o sonho da convivência onde sobressaem as qualidades, e não os defeitos.
Por isso, nada como continuar a acreditar naquilo que veio do imaginário, chegou ao papel, extrapolou alguns limites, mesmo ainda sendo uma obra pouco conhecida, mas que já cumpriu sua missão por onde passou. O chamado da obra é: liberte o saci que existe em você: brinque, divirta-se, sorria e seja feliz, pois isso tem um efeito multiplicador. É nisso que acredito e também sei que é isso que sustenta o trabalho de todos os que acreditam em um mundo melhor e mais humano.
Djair Galvão, 46 anos, professor, jornalista, autor de "O Saci de Duas Pernas" (Editora Anita Garibaldi), pai de Elton e Gustavo.
O Saci de Duas Pernas, de Djair Galvão e Altemar Domingos
Editora Anita Garibaldi (www.anitagaribaldi.com.br), R$15

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