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O nascimento da Pais & Filhos

Imagem O nascimento da Pais & Filhos

Publicado em 29/04/2013, às 19h01 - Atualizado em 24/06/2015, às 09h12 por Redação Pais&Filhos


Eu terminava de me vestir, na manhã da encalorada segunda-feira, quando a campainha tocou. Era dona Cleide, a seriíssima vizinha do andar de baixo. Mulher de um delegado de polícia, mãe de dois adolescentes endiabrados e que costumava nos advertir até pelas conversas em voz alta, ela se convidou para entrar. Seguimos até a varanda, rara dependência refrescante daquela cobertura em Ipanema, principalmente para quem vestia terno-e-gravata na falsa primavera carioca. Mas era este o traje obrigatório de quem trabalhava no prédio da Bloch Editores, onde acabara de nascer Pais e Filhos.

Notei certa ironia quando dona Cleide retirou da sacola um exemplar da primeira edição e perguntou: “Esse ‘Redator Principal’ aqui no expediente é você mesmo?”. Era difícil acreditar na seriedade do boêmio de 26 anos, que vivia com uma artista plástica 14 anos mais velha. A vizinha estava cansada de reclamar ao síndico providências contra o casal que promovia reuniões políticas, festas e intermináveis brigas noite adentro. Vivíamos numa época de muito autoritarismo, e a inimizade da mulher de um delegado deveria ser encarada como sinal de perigo. Já na defensiva, respondi: “Sou eu mesmo, mas pode ter certeza de que nós, jornalistas, só escrevemos os textos, tudo com aprovação do Conselho Científico formado por sumidades”.

 Ela manteve a ironia: “Criar filhos é outra coisa… você não imagina como me dão trabalho… pensei que essa revista pudesse ajudar…”. Acentuava o tom de desolação e não pareceu impressionada quando eu disse que a editora mantinha um acordo com a revista alemã Eltern, palavra que significa pais, e esta nos enviava artigos etc. e tal. “É, mas vocês não têm filhos para criar…”

Pensei, então, em dizer que, se eu parecia um jovem leviano sem família, em compensação o diretor da revista criava prole numerosa, porém seria temerário mentir; infelizmente, José-Itamar de Freitas era tão solteiro quanto Glória Nogueira, a responsável pelos cadernos especiais de Pais e Filhos. Estávamos em setembro de 1968 e, pelo menos na opinião da vizinha, eu não poderia participar de uma revista dirigida à moderna família brasileira.

A difícil conversa com dona Cleide gerou inúmeras sugestões de matérias para a revista; Pais e Filhos ensinava a enfrentar os primeiros anos da vida das crianças, mas também era nossa missão orientar os pais sobre o verdadeiro inferno que a adolescência sempre fez questão de criar em todas as épocas. O doutor Rinaldo de Lamare, autor de A Vida do Bebê, livro lançado por Bloch Editores, nos ajudava a encontrar o caminho das pedras; ele também revisava os textos nos quais eram tratados os assuntos de sua especialidade. Nosso Conselho Científico abrigava mestres em obstetrícia e ginecologia, psicologia, neurologia, cirurgia plástica (Ivo Pitanguy), pedagogia, psiquiatria e, pasmem, até teologia.

O que fazer, todavia, quando essas criaturinhas insistem em chorar in-ter-mi-na-vel-men-te? Há 40 anos, aprendíamos a atribuir a culpa às dores de barriga ou ouvido, mas algumas distraídas nem desconfiavam que o motivo poderia ser o alfinete espetado um pouco além da fralda de morim…

Desesperada com os gritos da criança, a mãe apelava para as flanelas passadas a ferro; e oferecia o peito ao escandaloso; e água e chá. Será que a fralda está novamente molhada? Nada, está sequíssima. E o bebê a chorar e chorar.

A mãe telefonava para o pediatra, que lhe pedia paciência, e assim, de fracasso em fracasso, a pobre desenvolvia um distúrbio psicológico hoje conhecido como Síndrome da Incompetência: a mãe se acha um ser inútil, incapaz de qualquer ação diante do infindável pranto.

Antes dos livros esclarecedores e das exitosas lições de Pais e Filhos, era recomendável aplicar umas palmadas no pequeno estorvo que não se calava por nada neste mundo; em casos mais desmedidos, recorria-se até às novenas ao Menino Jesus de Praga. Recordo que numa noite do frigidíssimo inverno paulistano de 1972, Daniel, meu filho com Marcia Lobo, que tinha sido minha repórter na “revista mensal da família moderna”, iniciou um choro colossal. Deitado no carrinho de bebê ao lado de nossa cama, nenhum agrado acalmava aquele déspota de poucos meses. E precisávamos dormir, pois o trabalho nos aguardava cedo na redação do Jornal da Tarde. Então, para horror da mãe, sugeri que conduzíssemos o carrinho até a sala do apartamento; da janela via-se o relógio do Conjunto Nacional a marcar os minutos e horas do nosso desespero. A arrastar o peso da consciência, abandonamos a criança, fechamos a porta do quarto e voltamos na esperança de dormir. Minutos depois, o menino calou-se. Aflitos, Marcia e eu nos esgueiramos em direção ao pequeno degredado; ele sorria à luz indireta de um abajur…

No número 3 da revista, novembro/1968, o diretor José-Itamar, mestre na arte de inventar matérias a partir de uma bela fotografia daquelas enviadas por Eltern, tomou uma que mostrava cinco galinhas empoleiradas no berço de um lourinho;  assestou-a contra a claridade que vinha da Baía de Guanabara e nos entrava pela redação, no belo edifício da Praia do Russel, e disparou o título da futura reportagem: “Para a cama com as galinhas”.

A abertura, que fiz depois da leitura do texto de Elice Munerato, com consultoria do dr. Paulo Osório Filho, pediatra do Hospital dos Servidores do Estado, terminava assim: “(…) Gritos e castigos nunca foram remédio. E não se surpreenda se o médico descobrir que a principal causa da insônia de seu filho é você”. A revista era moderna, advertia a mãe e também falava com o pai sempre que era necessário. Um texto de Marcia Lobo sob o título “Quando o marido espera bebê” dirigia-se a ele: “sua mulher vai ter um bebê, mas você não precisa sentir as dores do parto.” “Namoro quente demais” era o título de uma reportagem de Beatriz  Bomfim, que pesquisou o comportamento das meninas e escreveu: “o namoro e o noivado fugiram da sala para os cinemas e boates. (…) A jovem enfrenta uma dúvida – onde fixar os limites da intimidade?”.  Sônia Nolasco-Ferreira trouxe de suas andanças de repórter a história da precoce Cristina, a tininha, que aos 10 anos queria casar, “de verdade”, com o cantor Roberto Carlos, fantasia de pré-adolescente temporã que vivia entre adultos e “tentava formar sua personalidade”, na opinião do nosso Conselho Científico. A revista era um sucesso, revelavam as bancas.

Seria honesto reconhecer que os solteiros daquela primeira redação aprendemos a cada reportagem que editávamos, embora nenhum de nós tenha tirado de letra a insana lida, quando, mais tarde, formamos família. E certamente foi mais fácil fazer pais e filhos num tempo em que a classe média ainda não se preocupava com as drogas dentro de casa e o excesso de violência nas ruas.


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