É preciso falar sobre o assunto
É quase automático: assim que uma notícia sobre suicídio ocupa as manchetes de veículos, surge o debate nas redes sociais de pessoas buscando por razões de alguém ter tirado a própria vida. E o medo e preocupação dos pais e mães em acontecer casos semelhantes com os filhos na própria casa também é comum.
Mas apesar do assunto estar cada vez mais presente nas conversas, ainda é tabu. Não se fala sobre suicídio em casa e escolas até que aconteça algum caso muito próximo. “Há uma crença de que as pessoas que querem cometer suicídio, tendem a ir em frente e fazê-lo, em vez de apenas ameaçar. Mas os pais devem conversar sobre qualquer ameaça de suicídio como se fosse real e tratá-lo como uma verdadeira emergência”, aconselha Mônica Pessanha, psicopedagoga e psicanalista de crianças e adolescentes.
Para o psiquiatra especialista em educação, Celso Lopes de Souza, conversar com as crianças e os adolescentes é indispensável. “A Organização Mundial da Saúde aponta com muita clareza que a melhor forma de abordar os jovens sobre casos próximos de suicídio é respeitando o luto e deixar claro que há abertura para um acolhimento e conversas”.
Em vez de reprimir, é preciso discutir abertamente com seu filho se perceber episódios de isolamento ou ideias de que seria melhor se tudo acabar. “A pessoa que se suicida não queria morrer, mas sim renascer daquela situação que estava vivenciando ou sentindo”, afirma Celso.
Além disso, é importante evitar a ideia de que o suicídio teve somente uma causa pontual. “É muito perigoso. Pensar no suicídio como uma forma de livramento, marco ou protesto devido a um motivo exclusivo, pode influenciar outras crianças e adolescentes em situações vulneráveis. O suicídio é multifatorial”, afirma Celso. Ou seja, as razões que podem levar um jovem a considerar tirar a própria vida vai além de apenas uma.
Enxergar seu filho como um todo
Segundo o médico e terapeuta Marcelo Katayama, os pais e a escola devem olhar para a causa raiz de um suicídio, em vez da causa evidente. “É preciso trabalhar a inteligência emocional nas crianças e adolescentes. Para resolver a causa, não adianta só olhar superficialmente, mas sim encontrar os problemas e sentimentos anteriores como medo, raiva, tristeza, frustração e insatisfação.”
Para Celso, a geração atual de crianças e adolescentes tem tolerância baixa para lidar com frustrações. “É uma geração cada vez mais imediatista. Não estão desenvolvendo paciência, nem persistência e querem resultados rápidos e altos, sem ter desenvolvidos competências técnicas para isso. Isso gera frustração, e eles não sabem ou não aprenderam a lidar com esse tipo de emoção”.
“Também é muito provável que nesses casos, os jovens tenham quadros psiquiátricos não diagnosticados como depressão, TOC, ansiedade e transtornos de personalidade”, completa Marcelo. “A geração de hoje é uma das mais inteligentes, mas também uma das mais frágeis. O suicídio é uma tentativa de pôr fim ao que falta, e a invasão da angústia, de ser livre e ao mesmo tempo de ser querido e valorizado”, diz Mônica.
Entre 2012 e 2014, houve um aumento de 10% na taxa de suicídio de jovens entre 15 e 29 anos, segundo dados do Mapa da Violência. E de acordo com o Ministério da Saúde, os casos de suicídios no Brasil têm crescido nos últimos anos: os dados mais recentes mostram que, na faixa etária de 15 a 19 anos, foram 722 mortes em 2015, um recorde nos últimos dez anos. O suicídio é a segunda causa de morte de jovens no mundo.
O que fazer para evitar novos casos
Para Mônica, a ferramenta mais eficaz é a observação dos sinais e da predisposição, tanto dos pais quanto das escolas. “Cabe conversar sempre que possível e buscar ajuda sempre que necessário. Discuta com franqueza e abertamente o suicídio com a criança e o adolescente, especialmente se achar que ele pode estar em risco. É importante compartilhar preocupações e incentivar a expressar suas ideias e emoções.”
Também vale ficar de olho em algumas mudanças de comportamento:
– Mudanças na personalidade: tristeza, abstinência, irritabilidade, ansiedade, exaustão e indecisão
– Mudanças de comportamento: deterioração das relações sociais e desempenho escolar, redução do envolvimento em atividades positivas
– Distúrbio do sono: insônia, dormir demais, pesadelos
– Mudanças na alimentação: perda de apetite, perda de peso ou excessos
– Medo de perder o controle: comportamento errático, prejudicar a si mesmo ou aos outros
“Busque ajuda psicológica sempre que perceber mais de três sintomas e se a criança falar muito sobre morte, mesmo que ele não diga sobre o próprio desejo de morrer. É preciso dialogar muito, ouvir aquilo que nem está sendo dito em palavras. Cada pai e mãe conhece seu filho e poderá identificar aquilo que fugir ao padrão da normalidade”, explica Mônica.
Se seu filho fala sobre se matar, entre imediatamente em contato com um profissional de saúde mental. Vale também ligar para o centro de valorização da vida, serviço de apoio emocional e prevenção do suicídio — basta discar 188.
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