A frase “o bullying sempre existiu, mas agora estão com esse mimimi” está presente no momento de perguntas e respostas nas 10 de cada 10 palestras que faço com pais de alunos sobre bullying e cyberbullying.
Sim, é verdade! O bullying sempre existiu! Muitos conseguiram superar com muito acolhimento escolar, apoio familiar e de profissionais de saúde mental.
Outros não superaram. Eu mesma levei anos para superar o bullying que sofria pelo simples fato de ser alta.
Mas desde a super popularização dos computadores e smartphones nós vivemos o fenômeno do bullying dentro dos ambientes digitais: o cyberbullying.
Nos últimos 10 anos em que me dedico e estudo esse tema, o cyberbullying ganhou formas cada vez mais cruéis. Essas novas formas têm o objetivo de causar dano, agredir e oprimir a vítima até que a vítima tenha seu direito de liberdade de existir totalmente desestruturado. E pelas vias virtuais, ele é alcançando mais rápido e com efeitos cada vez mais profundos.

Nós podemos considerar que esse foi um casamento desastroso entre a falta de consciência e orientação sobre o uso de tecnologias tão potentes com um fenômeno social negativo pouco discutido. E pra piorar, dois assuntos que ao longo de muitos anos foram tratados como “coisa de criança”.
No Brasil, assim como em vários países do mundo, o cyberbullying ganhou uma proporção tão alarmante que se tornou crime. Algo que no nosso sistema jurídico significa ser tratado com muito rigor e pouquíssima compreensão com o agressor, mesmo sendo menor de idade.
Quando o cyberbullying acontece provocado por crianças e adolescentes ele é chamado de ato infracional, mas é tratado em um processo judicial, onde vítima e agressores ficam marcados para sempre e publicamente.
Onde entram as famílias nessa situação? Elas entram desde antes o cyberbullying existir, continuam enquanto o cyberbullying acontece e, quando ele é descoberto e processado. São as famílias que “pagam a conta”.
Algumas famílias nem se dão conta de que o cyberbullying, um crime, está sendo elaborado e realizado dentro da sua própria casa, patrocinado pelos pais através da sua internet, por exemplo.
Essas famílias agora, além de serem responsabilizadas na sua moral e no seu bolso, estão tendo que lidar com o pavor de verem seus nomes, rostos e nomes dos seus filhos estampados vergonhosamente nas redes sociais e grupos de whatsapp das escolas.
Ao longo desses 10 anos já atendi dezenas de famílias devastadas pelo cyberbullying. Algumas simplesmente não tiveram forças de recorrer ao judiciário. Outras se dedicaram a reverter os danos vividos longe dos tribunais. Mas eu posso dizer que nenhuma delas nunca mais será a mesma.
Conhecer sobre o cyberbullying e seus efeitos começa pelos adultos das famílias. E essa não é tarefa fácil, eu sei. Mas essa tarefa não pode ser responsabilidade exclusiva das escolas. Aliás, legalmente já não é há muito tempo.

Mesmo nas escolas, ainda hoje vejo professores e donos de escolas que não sabem fazer essa a identificação do bullying e cyberbullying. Se para eles, que são profissionais técnicos na formação de crianças e adolescentes, é difícil, imagine pra pais e mães que nunca fizeram se quer um curso sobre esse tema. É um grande desafio!
Por onde começar? Invista um tempo buscando entender por que o cyberbullying se tornou crime no nosso país. E invista mais um tempo de atenção especial sobre as falas e comportamentos de postura corporal do seu filho.
Ele está mais retraído? Fica tentando esconder partes do corpo sem um motivo claro? Fica tenso enquanto se prepara para a escola? Fica tenso e com aparência amedrontada enquanto interage com o celular ou em games? Essas são somente algumas das primeiras pistas que percebemos.
É urgente entender que esse tema faz parte da vida dos nossos filhos. Por estatística, sabemos que 1 a cada 3 crianças em idade entre 9 e 17 anos já sofreu agressões como bullying e cyberbullying. E 2 a cada 3 crianças já presenciou essas situações, o que também é uma forma de agressão. Ou seja, a sua criança corre riscos de todos os lados. E a única alternativa é conscientizar e prevenir.
O que se perde no cyberbullying é muito mais do que dinheiro ou dores de cabeça com troca de escola. A liberdade de existir e viver, a confiança entre família e a saúde mental ficam comprometidas, para sempre. E isso, como pais e mães de uma geração, nós não podemos permitir.