Quando meus filhos eram pequenos, costumava organizar os seus livros em três lugares distintos da nossa casa: no quarto deles, na sala de estar e na biblioteca da família.
No quarto de cada um deles matinha alguns poucos livros, no máximo dez. Eram acomodados em uma caixinha especial feita por mim que com o passar do tempo virou um cestinho comprado em uma loja de artesanato e depois um simples revisteiro. A minha intenção era que as crianças tivessem acesso rápido e fácil aos livros para que pudessem pegá-los sem ter que pedir ajuda e, mais tarde um pouco, pudessem também guardá-los sem ajuda.
Na sala de estar, deixava dois ou três livros muito bonitos em cima da mesinha de centro. Eles sempre chamavam a atenção das crianças, embora nem sempre fossem livros infantis. A maioria era livro de fotografia: muitos animais, lugares exóticos, carros de corrida, livros de receitas e, é claro, livros com lindos bebês gorduchos. Todos esses livros despertavam a curiosidade dos meus filhos e rendiam muitas leituras com os avós, os tios e os padrinhos. Uma diversão só!
Na biblioteca da família matinha a maior parte dos livros das crianças. Acomodava uma parte deles nas prateleiras mais altas para que elas pudessem desejá-los ardentemente, principalmente na hora de dormir, mas sem nunca consegui-los pegar sem a ajuda de um adulto. Precisavam desejar para ter…
Mas a maioria deles era colocada nas prateleiras mais baixas para que as crianças pudessem pegá-los com autonomia. O truque era acomodar os livros infantis entre outros livros quaisquer para que elas pudessem se interessar por livros diferentes: sem ilustrações coloridas, edições mais antiguinhas, assuntos de adultos.
Era uma graça ver a Maria Gabriela, então com seus 15 meses, arrastar pela casa o exemplar do filósofo Descartes da Coleção Os Pensadores. A capa é azul marinho, grossa e muuiiito sem graça. O livro é pesado, suas páginas sempre estiveram amareladas e cheias de poeira. Comprei em um sebo há quase mil anos… Ela amava! Será que era o formato? O peso? Não sei, mas é curioso observar que mesmo hoje, no auge da sua adolescência, seu olhar sempre se volta às prateleiras da minha biblioteca onde estão os livros de filosofia…
Descrevo essa minha experiência para tentar debater duas práticas muito em moda atualmente e sobre as quais tenho lá as minhas reservas.
Uma delas é que a biblioteca da criança deve ser formada apenas por livros infantis adequados à faixa etária. Discordo completamente. A biblioteca dos nossos filhos (não importa se ainda bebês, maiorzinhos ou já alfabetizados) deve ser composta por livros que sejam de interesse da família. Expor a criança desde cedo a uma diversidade de gêneros e suportes é fundamental na sua formação como leitor. Para mim, essa é a melhor estratégia para ensinar uma pessoa a amar a leitura: amando primeiramente os livros em sua materialidade, não importa se são do seu interesse imediato ou não.
A outra moda que anda me incomodando é a que dita que os livros devem estar todos lindamente acomodados no quarto da criança. Discordo completamente. A exploração de um livro deve ser quase um ritual. Nada de livros espalhados e jogados pelo quarto como se eles não passassem de meias sujas! Acredito que a criança deva ter autonomia para pegar seus livros e manuseá-los à vontade. Mas alguns poucos por vez: dois, três… no máximo dez. E é muito interessante que ela encontre coisas para ler em outros ambientes da casa além do seu próprio quarto. Quanto mais livros instigantes ela encontrar durante o dia, maiores as chances dela ter interesse em ler, não é mesmo? Maiores as chances dela antecipar o conteúdo dos livros e identificar em quais contextos eles podem ser interessantes (o lindo livro de culinária para o papai que ama cozinhar, por exemplo; o livro antigão da mamãe; o livro preferido da vovó…).
Vou voltar a refletir sobre o assunto. Mas fica aqui registrada a minha opinião crítica sobre os modismos da arquitetura, da decoração e de muitos pedagogos e psicólogos – infelizmente!
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