A maternidade pede passagem

Estava indo palestrar numa cidade a uns 200 km de casa. Fui dirigindo, sozinha, numa estrada bastante sinuosa e com chuva. Vivia para trabalhar, precisava fazer mais uma palestra brilhante, ser aplaudida, tudo isso me alimentava e me validava na construção do que eu tinha por identidade. Era por isso que era tão difícil desacelerar (não só o carro).

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Meu bebê tinha um ano. Se eu tivesse a consciência de hoje, não estaria indo palestrar por uma hora deixando meu bebê com terceiros. (Embora eu seja eternamente grata aos terceiros incríveis da minha rede de apoio). Ficar em casa com meu bebê era muito difícil para mim. Eu era muito melhor como profissional do que como mãe. Então ir trabalhar era minha fuga. Uma forma de sair de perto daquele serzinho que me fazia sentir tão despreparada e impotente em muitas situações.

Veio uma nova curva, virei o volante mas os pneus não obedeceram. Aquaplanagem: quando uma camada de água fica entre os pneus e a pista e perde-se o controle. O carro foi subindo no guard rail do meu lado (se ele não tivesse ali tinha ido contra a montanha) e torci para o carro não capotar mas... Ele virou!

Fiquei com o carro tombado na pista depois de uma curva. Estava com a porta no chão, pensando no caminhão que havia ultrapassado e que estava se aproximando para passar por cima de mim. Naquele momento tive que tomar uma das decisões mais difíceis da minha vida: ficar com o cinto de segurança esperando pelo caminhão ou tirar o cinto e tentar sair com o risco de sofrer o impacto sem cinto.

Naqueles segundos em que as análises aconteciam em minha mente, olhei para trás e vi a cadeirinha do meu filho toda torta e sua fraldinha caída. Me arrepiei e pensei que ele poderia ficar sem mãe hoje mesmo. Decidi tirar o cinto mas o caminhão já vinha com tudo em minha direção. Meu coração disparou, a garganta fechou e eu tive certeza que não passaria daquele dia. Fechei os olhos e esperei o impacto. Demorou e não senti nada, então abri os olhos e alguém me ajudou a sair. Descobri que era o motorista do caminhão que tremia muito de nervoso.

Foi preciso tudo isso para eu entender que era hora de ser mais mãe que profissional. Filho não vem com Manual! Eu não sabia que era possível estudar para ser mãe. Hoje, mais de 10 anos depois, sou apontada por muitas famílias como especialista na relação adulto-criança, como alguém que leva luz para situações em que os adultos já não sabem o que fazer. Quando dou uma palestra, filas de uma ou 2h se formam para um abraço apertado e palavras de gratidão pelas transformações alcançadas. As pessoas atribuem aos meus livros e cursos as mudanças que conseguiram com as crianças. Elas estavam capotando também, emocionalmente falando. E, dessa vez, fui eu quem parou para ajudar.

Não sei em que momento você se encontra. Não sei como está o controle da direção, não sei se você está tombado no meio da pista... Seja qual for a sua situação, que esta coluna que estreia nesta edição te traga luz.  

Amor, Isa