**Texto por Lenise Flávio dos Santos Souza, mãe da Linda Nira e Aretha, empreendedora na marca de roupas Lupito Afro, e integrante do coletivo Digitais Pretas, onde aborda temas como maternidade solo e educação antirracista
Um questionamento pertinente a respeito da maternidade preta, é sobre o momento certo de abordar o tema racismo na educação dos nossos pequenos, já que nós, mães e pais pretos, conhecemos de perto esse tipo de preconceito que nos assombra desde muito cedo. Essa tarefa se torna ainda mais difícil, porque antes de falarmos sobre esse tema, precisamos ensiná-los desde pequenos sobre autoestima e aceitação, e infelizmente muitos de nós, pais e mães, que viemos de uma geração anterior, não fomos preparados para isso.
Eu, como criança preta dos anos 90, fui criada para ser invisível, modificando desde muito nova a estrutura do cabelo com processos químicos agressivos, com a intenção de tentar me proteger do bullying e outras formas perversas de racismo. E quando descobri que seria mãe de uma menina, me veio a preocupação de educá-la com uma autoestima que eu mesma não tive. Para construir a identidade dela, eu precisei resgatar a minha. Comecei essa tarefa pelo nome, Linda Nira, para que ela soubesse desde nova o quanto é linda, mesmo que a sociedade dissesse o contrário. Dessa preocupação, surgiu minha profissão, falar sobre empoderamento, aceitação e cultura preta, através das roupas produzidas com tecidos de origem africana.
Essa preparação toda não a impediu de ter sua primeira experiência explícita de racismo no seu primeiro ambiente de interação social, a escola. Perto de completar 5 anos de idade, a Linda Nira soube o que era racismo, quando passou a ser excluída por colegas da mesma idade que diziam não gostar dela por conta dos seus cabelos, e que sua cor era porque ela era suja, causando nela complexo de sentimento de não pertencimento. Crianças não nascem racistas, elas simplesmente reproduzem falas que ouvem no seu cotidiano, e nós pais, nos sentimos inválidos ao passar por uma experiência como essa, a sensação é de impotência e vulnerabilidade. Nesse momento entendi o quanto a escola está despreparada para lidar com questões como essa, e como a educação é o primeiro e principal passo para que haja mudança na nossa sociedade.
Como cuidar da saúde mental das nossas crianças, num país onde cerca de 61% das crianças pretas, segundo o IBGE, vêm de um lar onde as mulheres é quem são chefes de família, de maneira solo, e desse número, 63% estão abaixo da linha da pobreza, com pouca instrução e sem condições financeiras para investir em cuidados com terapia.
Representatividade nos brinquedos, na literatura, nos desenhos, nas mídias, é essencial para que a criança preta se entenda, se aceite e tenha o direito de sonhar. Sonhar que ela pode ter a profissão desejada, que ela tem direito a todos os espaços que quiser ocupar. Mas essa educação só surte efeito, quando trabalhada em conjunto nos espaços públicos, dentro das escolas e ambientes sociais. Precisamos empoderar nossos filhos desde pequenos para que nossas crianças entendam a beleza da diversidade, da autoestima, respeito próprio e, consequentemente, a importância do respeito ao próximo. Precisamos de políticas públicas para que essa nova geração cresça com capacidade de transformação.