**Texto por Maria Fernanda Dias, mãe de Mateus e Bernardo. Escreve sobre amor e sobre cura no Instagram @mariaqueescreve e é co-autora do livro “Mães Pretas – Maternidade Solo e Dororidade”. Também é pedagoga, professora, roteirista freelancer e redatora. Entende que embora não tenha vindo a esse mundo apenas para ser mãe, vide seu currículo, a maternidade é um dos seus lados mais bonitos
Mãe, Hoje estou crescido e queria dizer que te perdoo. Perdoo por você não ser como as mães dos comerciais de margarina com a casa sempre arrumada. Aquelas donas-de-casa impecáveis, com roupas engomadas e sempre sorridentes. Aliás, nem sempre você era dos sorrisos. Teve uma época em que você chorava muito. Chorou dias e dias quando a minha avó morreu e chorou por outras razões que quando eu perguntava, você nem queria falar.
Hoje eu entendo seu silêncio. Perdoo por você não ter dado conta de tudo, afinal agora que sou adulto, sei o quanto é difícil gerir uma casa, uma família, ter um emprego… E você tinha dois. Às vezes, três.
Entendo também o porquê você ficava tão chateada quando dizia que eu não valorizava os seus esforços. Eu não tinha a dimensão. Na verdade, ainda não tenho por completo , já que sou homem. E embora seja um homem preto, eu sei que não consigo dimensionar o quanto deve ter sido difícil criar dois meninos pretos, sendo mãe solo. Porque embora eu conheça bem o viés racial, o machismo ainda é confluente a mim.
Te perdoo por ser imparável em combater comentários machistas que possam ter sido proferidos por mim em alguns momentos. Você sempre reforçou a importância de cada um cuidar da própria vida e de que todas as pessoas merecem respeito, independente da religião, gênero, orientação sexual ou escolhas de vida que não vão de encontro às nossas crenças. Eu achava um blá-blá-blá sem fim, mas um pouco a cada dia você me tornava um ser humano melhor.
Te perdoo por ter sido tão chata inúmeras vezes, me dando tarefas domésticas simples, mas que eu achava um saco fazer. Hoje, sou parceiro de vida da minha esposa, porque desde cedo aprendi a rotina de um lar. Eu não a “ajudo”, somos um time.
Te perdoo pelo dengo maior com o meu irmão. Depois que eu deixei de lado os ciúmes, percebi que não tinha como ser de outra maneira. Eu tinha dez anos e ele ainda era um bebê e precisava do seu colo. ‘Equidade é tratar o diferente com diferença’, você dizia. Mas sempre que eu precisei você esteve comigo. Ao meu lado. Segurando a minha mão e guiando meus passos.
Te perdoo por todas as suas broncas referentes a ser gentil com você e com meu irmão, afinal somos uma família e eu como irmão mais velho tinha que dar um bom exemplo. Eu não entendia a importância desse senso de proteção e cuidado que você tanto falava, mas foram as suas insistentes palavras que forjaram o homem que eu sou hoje, zeloso e responsável pela minha própria família. Não fujo da minha obrigação.
Te perdoo por você nunca ficar do meu lado em brigas de escola ou de rua que envolviam outras meninas, porque você dizia que bater em meninas era inadmissível, independente da razão. Eu achava um pouco errado, mas com o passar dos anos entendi que você só me ajudava ao não incentivar esse tipo de violência.
Te perdoo por todas as vezes que te achei injusta. Seus erros te humanizavam e você pedia desculpas quando reconhecia ter exagerado além da conta. Diferente de mim, que muitas vezes recebi o seu perdão ao cometer erros, mesmo quando eu sequer pedia desculpas.
Te perdoo por você descansar. Às vezes, eu achava que era preguiça, mas com o tempo percebi que não. Era a sua rotina exaustiva e sobrecarga mental. Que bom que você tentava minimamente respeitar os limites do seu corpo para não sucumbir.
Te perdoo por ter trabalhado tanto. Eu sei que você ama ser mãe, mas sei também que ama o seu trabalho e fico feliz por você ter nos levado junto contigo muitas e muitas vezes. Eu gostava de saber do seu dia, de te ver lecionando. E gostava de te ver escrevendo. E lendo. Ainda gosto de tudo isso, na verdade. Continue. Você é boa no que faz.
Te perdoo porque você escreveu um livro contando a sua história, e mesmo tendo partes não tão felizes sobre ser nossa mãe, sei o quanto as suas palavras acolheram outras mulheres que achavam que ser mãe era o fim da jornada da vida. Que bom que você não mudaria nada do que aconteceu até aqui. Nem todas as mulheres têm a mesma sorte de terem orgulho da própria história.
Te perdoo por ter sido tão dura comigo às vezes. Sei que ver o meu pai de quinze em quinze dias não supria o necessário para que você pudesse me criar com mais leveza. Eu dei um pouco de trabalho, confesso. Não foi sua culpa.
Talvez eu tenha me expressado mal, afinal a escritora é você e eu nunca gostei muito de ler e escrever; mas pensando melhor, acho que essa não é uma carta sobre perdão. Releia, substituindo todas as expressões “Eu te perdoo” por obrigado. Agora sim. Acho que fica mais adequado.
Você fez o melhor que conseguia dentro daquelas circunstâncias. Eu não sei se desempenharia tão bem esse papel no seu lugar. Você foi a mãe possível e se eu tivesse a possibilidade de escolher outra mãe, ainda assim seria a Maria Fernanda.
Te perdoo por ser você. Obrigado por ser você. Obrigado por tudo. Com amor, Mateus. (escrita pelo seu primogênito de algum lugar do futuro).