Na fila do caixa, a mãe brincava com a filha no colo balançando o chocalho e chamando a atenção da criança. Surpreso com o som do objeto, o bebê abria um inocente sorriso, emitia uma contagiante risada e movimentava os bracinhos expressando todo o seu contentamento com a experiência. Cenas como essa são comuns com bebês em fase de descobertas sensoriais, ou seja, de desenvolvimento, quando eles percebem o som com maior consciência e respondem a eles com estímulos.
Mas se olharmos para trás, vamos perceber que a música, ou o som, faz parte das manifestações do ser humano desde quando ele está na barriga da mãe. De acordo com Cleber Alves, com Doutorado em música pela Escola de Música da UFMG e mestrado com louvor em jazz e música popular, pai da Giuliana, a música é um tipo de linguagem que está presente de forma muito intensa, desde a melodia de uma caixinha de música, um instrumento musical, o rádio do carro, o toque do celular e até mesmo o barulho da rua. Sons a que bebês e crianças estão atentos e podem se beneficiar de seus efeitos.
“A audição é o primeiro sentido que se forma na gestação, o som faz parte do desenvolvimento cognitivo desde antes de nascer. E essa habilidade do ser humano vem sendo aperfeiçoada ao longo dos anos, por meio da música”, explica Alves. O psicólogo, terapeuta e professor, Brenno Rosostolato, completa ao dizer que quando a criança tem contato com a música, seja ouvindo ou interagindo mais ativamente com esse universo, ela pode desenvolver algumas características próprias com mais facilidade, como fala, dicção e coordenação motora, entre outras.
Observe: não é à toa que existe uma grande quantidade de brinquedos educativos para bebês e crianças pequenas que emitem ou fazem barulhos e têm músicas. Você já prestou atenção nisso? E claro que não é apenas com os brinquedos que essa relação se estabelece. Existem outras formas, inclusive as aulas de música e instrumentais. A diretora Cristina Soares, da Escola de Música e Idiomas em Domicílio, conta que é cientificamente comprovado que crianças que tocam um instrumento ou possuem algum aprendizado nesse segmento antes dos 5 anos apresentam a área frontal do cérebro, que mexe com o conhecimento lógico e abstrato, mais desenvolvida.
Musicalização
No livro A Alegria de Ensinar, o escritor e cronista Rubem Alves diz: “Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música não começaria com partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria sobre os instrumentos que fazem a música”. Ensinar a experiência e o sentimento antes da prática é um dos conceitos presentes na musicalização. Cleber Alves conta que a musicalização ensina os elementos de linguagem sem se preocupar com a parte técnica do instrumento.
Nela a criança começa a perceber elementos como pulsação e forma, por meio de atividades gostosas. “Quando se faz esse tipo de atividade há um contato dirigido da criança com a música, e o intuito é que ela preste atenção nesse elemento”, conta ele. A musicalização pode ser feita com bebês de 1 ano até crianças de 10 anos – idade em que elas costumam ser direcionadas ao aprofundamento do aprendizado.
Cada faixa de idade tem um tipo de atividade, e a ideia é que a criança faça parte de uma rotina prazerosa. “Nosso trabalho é para que o aluno aprenda a prestar atenção em um determinado elemento da linguagem musical e vá se familiarizando com ele para, quem sabe, se interessar por um instrumento específico”, ressalta Cleber.
Vale lembrar que a musicalização infantil realiza um trabalho que pode anteceder os estudos direcionados a um instrumento, Mas não é necessário passar por ela para depois aprender a tocar algo. O que acontece é que nesse ambiente as crianças fazem uma imersão em diferentes sons, ritmos e melodias e têm contato com brinquedos como apitos e chocalhos até itens mais elaborados, como auta doce, xilofone, violão, bateria, e muitos outros instrumentos tocados pelos professores.
Expressão corporal
O contato com o som e a música provoca estímulos que possibilitam que a criança se expresse por meio do corpo. Seja demonstrando o que ela sente ao ouvir uma música, cantando ou na realização de movimentos mais refinados, como bater palma, tocar um determinado ritmo ou fazer um acorde. O professor Brenno Rosostolato conta que junto com a música ocorre o desejo de mexer o corpo, acompanhando o ritmo.
“Acredito que esse é um dos aspectos mais importantes do contato com o aprendizado musical, pois a melodia, o ritmo e as letras despertam sentimentos e convidam as pessoas a se expressarem. Isso pode ajudar a criarmos adultos e adolescentes menos refratários ao toque, que se sintam mais à vontade para dar vazão aos seus sentimentos”, diz Rosostolato.
A expressão corporal também pode ser trabalhada de forma terapêutica. A musicoterapeuta Lauane Ramos explica que essa especialidade é indicada para todos os tipos de patologias, pacientes com autismo, síndrome de Down, falta de atenção, depressão, e até mesmo para pessoas em coma. “Alguns pacientes ouvem músicas específicas para trazer à tona determinadas sensações do cérebro, outros compõem canções para expressar o que sentem ou fazem exercícios específicos para treinamento de foco”, explica Lauane.
Coordenação motora
Você pode até achar um exagero, mas só o fato de a criança conseguir segurar um instrumento sozinha já é uma forma de ela desenvolver e exercitar a motricidade na – capacidade que permite usar os pequenos músculos do corpo – e a motricidade grossa, que consiste na utilização de músculos grandes do corpo – como movimentos de braços e pernas.
Os especialistas explicam que essas duas habilidades podem ser trabalhadas em instrumentos de corda e piano, por exemplo, pois pedem que as mãos executem diferentes ações ao mesmo tempo. E o aprimoramento da coordenação motora vai acontecendo com o tempo. É uma conquista que a criança alcança sozinha, com o esforço e trabalho dela.
Foco
No momento em que uma criança está participando de uma atividade, precisa de atenção para conseguir cumprir o que foi proposto. Se há uma atividade em grupo, ela vai cantar um trecho da música ou tem seu próprio solo instrumental em uma apresentação, precisa estar focada para conseguir realizar a ação. Brenno Rosostolato conta que já viu muitas crianças que tinham dificuldades em prestar atenção apresentarem melhoras significativas após realizarem atividades musicais.
Contato com outras culturas
A música é universal e pode ser expressada de diferentes formas, dependendo da cultura onde está inserida. Essa proximidade é benéfica para as crianças, pois possibilita que elas tenham contato com o folclore e costumes de outros povos. Instrumentos de percussão como o bongô, o atabaque e a timba, por exemplo, podem introduzir a criança nos estilos de sons africanos e cubanos. Cleber Alves conta que é muito comum as crianças aprenderem a história dos instrumentos nas aulas, e a proximidade com os diferentes ritmos é um verdadeiro intercâmbio cultural, é uma forma de criar empatia por outros povos.
Criatividade
Um dos principais alicerces da música é a criatividade. Cartola não tinha nenhum conhecimento de teoria musical quando compôs a canção O Mundo é um Moinho, uma das mais bonitas do repertório brasileiro. Já os músicos da banda britânica Queen tinham muito conhecimento musical, mas não contavam com muitos recursos tecnológicos nos anos 1980 e gravaram as vozes dos seus quatro integrantes inúmeras vezes para passar a impressão de que haviam muitas pessoas cantando Bohemian Rhapsody. Tudo na base de muita criatividade e conhecimento de suas capacidades.
Memória
Uma pesquisa realizada na Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, finalizada em 2011, com uma turma de 60 alunos, de 6 a 9 anos, em que 29 deles tinham contato com a música, constatou que o contato com o meio permite, entre outras habilidades, o desenvolvimento da memória. De acordo com a neurocientista Nina Kraus, líder do estudo, alguns elementos presentes na música como timbre, tempo e tom, foram importantes para que essas crianças desenvolvessem a memória mais rápido que outras.
A diretora Cristina Soares, da Escola de Música e Idiomas em Domicílio, diz que para afinar um instrumento, por exemplo, é preciso lembrar o som da nota. Para improvisar e criar é também preciso lembrar o som da nota. Já para aprender uma música ou cantar, é necessário exercitar a memória sequencial.
Desenvolvimento da linguagem
Quando uma criança ouve ou canta uma música, ela vai armazenando palavras ao seu domínio. Mesmo quem não está alfabetizado vai adquirindo, ao longo do aprendizado, elementos que serão úteis para a formação das frases. A dicção também é um aspecto que pode ser aprimorado por meio da música. Cristina conta que uma de suas alunas tinha problemas na fala quando começou a fazer aulas de canto e conseguiu corrigir as palavras que pronunciava incorretamente, melhorando também sua respiração e entonação da voz.
Contato com matemática
O matemático Pitágoras é considerado pela ciência um pesquisador de música. Seu primeiro experimento foi esticar uma corda e perceber que sua vibração emitia um som. Esse foi o primeiro passo para, o que depois de muitos estudos e aprimoramentos, se tornaria a base da harmonia dos instrumentos de corda. A experiência de Pitágoras é uma das muitas provas que a música está diretamente ligada com a matemática. Cristina exemplifica dizendo que a música é constante contagem de tempo e trabalha o raciocínio lógico. Habilidade muito utilizada no ensino da matemática. Ela conta que um dos principais exercícios musicais é o aprendizado das escalas, para isso, o aluno precisa saber diferenciar um tom de um semitom, uma oitava de uma corda solta. Isso é pura matemática.
Como escolher o instrumento musical para meu filho
O primeiro aspecto que deve ser considerado no momento de optar por um instrumento ou outro é a aptidão e gosto que a criança apresenta e não o que os pais gostariam de ver o filho tocando. Quando um aluno faz algumas aulas de iniciação musical, ele adquire uma vivência com diferentes ritmos e estilos, e o professor observa com qual ele mais se identififica e, se for o caso, encaminha para um estudo mais aprofundado. Para que você não desafine na hora de escolher um instrumento com o seu filho, a gente dá algumas dicas.
Piano: a partir dos 6 anos
O piano possui 88 teclas, por isso é mais elaborado que o teclado. Sendo assim, é importante que a criança esteja um pouco maior para tocá-lo. No entanto, é importante ressaltar que na iniciação musical ela já aprende os nomes das notas e as posições. Fatores como locomoção e preço do instrumento também precisam ser considerados, uma vez que o piano ficará o tempo todo na casa da família, portanto, é importante que o instrumento caiba no ambiente, e também costuma ser mais caro.
Flauta doce: a partir dos 4 anos e meio
O instrumento desenvolve e trabalha muito a parte respiratória da criança. Sendo assim, é importante que ela seja um pouco maior para tocá-lo. Durante a iniciação musical, é comum o público infantil ter bastante contato com a flauta doce, pois é simples de aprender e tocar. Além disso, pode ser transportada para qualquer lugar.
Teclado: a partir dos 3 anos e meio
É um instrumento simples de aprender e de tocar, mas possui técnicas específicas. Oferece boa base musical para as crianças, facilitando a imersão em diferentes ritmos. Não costuma ser muito caro e, dependendo do tamanho, não ocupa muito espaço.
Violão: a partir dos 6 anos
Estimula a coordenação motora e possibilita contato com diferentes ritmos. Quem toca violão costuma ter mais facilidade para tocar outros instrumentos de corda, como guitarra, baixo e cavaquinho. Existem muitas opções de violões, inclusive em tamanho menor para as crianças. Ele pode ser levado para a aula de música e, se o seu filho gostar mesmo de tocar, irá carregá-lo para todos os lugares.
Instrumentos de percussão – tamborzinho, chocalho, bongô: a partir dos 2 anos
Possibilitam contato intenso com o batuque, despertando noção de ritmo e coordenação motora. Além disso, são instrumentos fáceis de tocar, não custam caro e podem ser levados para todos os lugares.
Canto: a partir dos 7 anos
Sim, a voz também pode ser considerada um instrumento, e muitas crianças têm potencial para desenvolver suas habilidades vocais. Quem se dedica a essa prática pode melhorar a respiração, dicção e entonação das palavras e exercitar os músculos do diafragma. Além de trabalhar a expressão corporal e noção de ritmo.