O uso de eletrônicos faz parte do cotidiano das crianças e adolescentes, mas quando ele se torna um problema? Com a tecnologia cada vez mais presente, entender os impactos das telas na saúde mental dos jovens é essencial para os pais.
A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023 revelou que 25 milhões de crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos usavam a internet em 2023. Entre redes sociais, jogos e vídeos, a imersão no mundo digital pode trazer desafios para o desenvolvimento infantil.
Como o excesso de telas pode afetar a saúde mental?
Segundo Marcos Torati, psicólogo e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, um dos grandes desafios da era digital é a maneira como os feeds infinitos das redes sociais estimulam a hiperconectividade.
“Os feeds infinitos são projetados para estimular a hiperconectividade e, no caso de jovens, devemos observar se a relação com o meio virtual dilui a experiência de privacidade e solitude, necessárias na formação da identidade”, explica Marcos. Segundo ele, quando um adolescente só se sente validado ao postar e compartilhar conteúdo, o problema não é apenas a dependência digital, mas uma necessidade emocional de pertencimento.
O especialista também destaca que essa imersão contínua pode reforçar a instantaneidade e aumentar a ansiedade, pois o jovem sente medo de ficar por fora das novidades, o chamado FOMO (“Fear of Missing Out”). Além disso, o excesso de informação e estímulos rápidos pode afetar a concentração e reduzir a capacidade de atenção.
Outro fator preocupante é a forma como o cérebro reage ao consumo excessivo de telas. O sistema de recompensa do cérebro é ativado constantemente por curtidas, notificações e conteúdos personalizados, gerando um ciclo de dependência semelhante ao observado em vícios químicos. Isso pode dificultar a regulação emocional e aumentar a irritabilidade e frustração quando há restrição do uso.

Como identificar se o uso de eletrônicos está excessivo?
Observar o comportamento das crianças é essencial para entender se o uso de telas está se tornando um problema. O psicólogo sugere que pais fiquem atentos a sinais como:
- Irritação e agressividade ao ser desconectado;
- Dificuldade de concentração e aprendizado;
- Procrastinação excessiva;
- Problemas de sono, insônia e cansaço constante;
- Dores posturais e tendinites;
- Isolamento social e falta de interesse por atividades fora das telas;
- Redução na criatividade e dificuldade em lidar com momentos de tédio.
Segundo o especialista, em alguns casos, os efeitos do uso excessivo de eletrônicos podem ser confundidos com sintomas de Transtorno do Espectro Autista (TEA), o que pode levar a diagnósticos equivocados. Além disso, o excesso de estímulos pode levar a uma sobrecarga cognitiva, tornando mais difícil para as crianças processarem informações e desenvolverem habilidades sociais essenciais.
Qual é o papel dos pais na relação das crianças com a tecnologia?
Para que os filhos aprendam a ter um relacionamento saudável com a tecnologia, os pais precisam avaliar também o próprio comportamento.
“Um smartphone pode ser entregue para uma criança porque os pais não querem lidar com choros e frustrações. Em outros casos, os adultos têm medo de dizer ‘não’. E, por vezes, os próprios pais também estão viciados em eletrônicos e evitam restringir o uso para não abrirem mão de algo que também os entretém”, comenta Marcos Torati.
Além disso, estabelecer regras e limites claros pode ser fundamental para garantir um uso equilibrado da tecnologia. Definir horários específicos para o uso de telas, incentivar atividades ao ar livre e estimular a leitura e brincadeiras que não envolvam dispositivos eletrônicos são formas eficazes de equilibrar o consumo digital.
Outro aspecto importante é promover o diálogo aberto sobre o impacto da tecnologia. Conversar sobre os riscos do uso excessivo, o perigo das interações com desconhecidos e a importância de manter um equilíbrio entre o mundo real e o digital pode ajudar as crianças a desenvolverem autonomia e discernimento sobre o próprio comportamento.
A tecnologia não é uma vilã, mas o excesso pode impactar o desenvolvimento das crianças, reduzindo sua criatividade e capacidade de lidar com o tédio. O uso consciente das telas, aliado a uma rotina equilibrada e ao exemplo dos adultos, pode ajudar as crianças a crescerem com uma relação mais saudável com o mundo digital.