Imagine um mundo em que todos conseguem se colocar no lugar do outro, sabem lidar com frustrações, sentimentos e diferenças, além de terem autoconfiança e persistência. Todas essas qualidades fazem parte de uma cesta de habilidades conhecidas como competências socioemocionais. Oferecer às crianças uma educação para que elas consigam aprender, conviver e trabalhar em um mundo cada vez mais complexo é um dos maiores desafios da atualidade. Exercícios, provas, decorebas e repetições podem até resultar em notas maiores, mas não vão preparar o aluno plenamente e desenvolver as habilidades que seu filho precisa para enfrentar o mundo nos próximos anos.
A inteligência emocional é a capacidade de reconhecer diferentes sentimentos, aprender a lidar com as próprias emoções, como frustrações, medos, perdas e contrariedades, além de compreender as emoções do outro. Seus pilares são a autoconsciência, o autocontrole, a consciência social, as habilidades de construir relações e a tomada de decisões responsáveis. Parece simples, mas não é uma tarefa fácil e, apesar de algumas pessoas terem essa habilidade desde pequenas, a maioria de nós precisa aprender ao longo da vida a lidar com as emoções diárias. “Antigamente, a inteligência emocional era considerada uma habilidade inata. Hoje, é comprovado que podemos desenvolvê-la, como se fosse um idioma ou uma fórmula matemática. Ela deve ser aprendida e ensinada”, explica Camila Cury, psicóloga e especialista na Teoria da Inteligência Multifocal, filha de Augusto Cury e mãe de Alice e Augusto
“A criança nasce egoísta, ela não vai querer dividir, é algo instintivo e genético. Por isso, precisa ser ensinada a fazer carinho e não bater e morder, por exemplo. Como ela não tem noção do outro e espera que o mundo gire em torno dela, cabe aos pais ensinar que na sociedade precisa existir um equilíbrio. Há pessoas que não têm inteligência emocional e mesmo assim dão tudo para o outro. Vai além de ter apenas empatia, precisa criar um equilíbrio”, defende Camila.
Vale lembrar que uma criança emocionalmente saudável não é aquela que não chora, se irrita ou se frustra, mas sim que a melhora sempre a compreensão de suas próprias emoções. A inteligência emocional (QE) é tão importante quanto o quociente de inteligência (QI) – ou seja, não adianta seu filho ser um gênio, se não souber lidar com as críticas e frustrações, por exemplo. O jornalista e psicólogo Daniel Goleman, conhecido como pai da inteligência emocional, defende que não existe relação direta entre a QE e o QI, pois são controlados por diferentes partes do cérebro. Mas enquanto o QI não é capaz de mudar significativamente ao longo da vida, a inteligência emocional pode evoluir e aumentar, sim. E existem alguns hábitos para desenvolver esse tipo de inteligência.
De emoção em emoção
Por mais que o aluno seja bom em aspectos lógicos e analíticos, ele também precisa aprender a aplicar seus conhecimentos para lidar com frustrações e perdas. “A criança deve se sentir segura com a ideia de errar e encontrar situações que vão dar resultados negativos. Os pais precisam oferecer segurança e proteção, mas também dar liberdade para os filhos se aventurarem, fazerem suas próprias escolhas e aprenderem com elas”, explica Victor Friary, psicólogo e mestre em terapia cognitivo-comportamental, filho de Ismélia e Anthony. Segundo o especialista, a grande dificuldade está em lidar com momentos em que o filho não se comportou bem. “Os pais devem ficar atentos ao impulso de reprovar quando algo sai errado e oferecer carinho. O sistema de punição nem sempre é a melhor resposta”. Camila também reforça a importância de ensinar a lidar com as frustrações: “Se a criança crescer sendo feliz o tempo todo, o primeiro ‘não’ recebido vai deixá-la mal. O papel dos pais não é formar um filho feliz, mas sim preparado para as alegrias e também para as perdas e angústias”.
Por mais que algumas situações possam parecer insignificantes para você, para o seu filho pode ser um grande problema – e ele precisa aprender a lidar com isso desde cedo. “Precisamos permitir que eles sintam a frustração e depois acolher e demonstrar empatia com o problema ou a dificuldade”, aconselha Camila.
Educação do futuro
Segundo uma pesquisa feita pela Universidade Harvard, nos Estados unidos, estamos diante da geração mais insegura de todos os tempos. “A inteligência emocional ajuda a criança a lidar com fracassos e imediatismos, além de prepará-la para a gestão e liderança de pessoas no futuro”, explica Camila.
Até 2020, todas as escolas brasileiras deverão incluir em seus currículos as habilidades socioemocionais. Isso porque as novas diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) trazem dez competências – e cinco delas são socioemocionais. A expectativa é que com as novas diretrizes a prática cresça a passos largos, o que pode melhorar em cerca de 10% no aprendizado das outras matérias do currículo escolar. “É vital para a criança viver e respeitar situações de con itos, diversidade e autoconhecimento. Dessa forma, ela aprende a estabelecer objetivos, trabalhar colaborativamente e tomar decisões autônomas com responsabilidade”, explica Vera Melis, pedagoga, mestre em educação pela Universidade de Houston.
E, embora as habilidades socioemocionais possam ser uma novidade para a BNCC, é algo que faz parte do trabalho da escola com crianças há décadas em muitos países. “Por isso, precisamos questionar por que o desenvolvimento do caráter e do bem-estar dos alunos só está sendo abordado no currículo agora”, defende o educador Nigel Winnard, mestre em administração educacional pela Universidade de Michigan, doutor em educação pela University of South California e diretor da Escola Americana no Rio de Janeiro. O educador acredita que a escola precisa oferecer uma dinâmica de aprendizagem que respeite as demandas e características do aluno totalmente diferente das crianças de 200 anos atrás, em que as instituições de ensino se apoiam. “Precisamos que nossos alunos sejam capazes de diferenciar fato e opinião, que sejam consumidores críticos do turbilhão de conteúdo que a Internet cria todos os dias, além de equilibrar pontos de vista e opiniões”, reflete o especialista.
O processo de aprendizagem em que a criança, sentada em uma cadeira, deve absorver uma grande quantidade de conteúdo está passando por uma revisão, segundo Diego Thuler, fundador da Little Maker.
“É preciso despertar no aluno a consciência de que aquilo que ele faz se conecta com o mundo, de que há sentido no aprender e de que ele também gera conhecimento. Logo, precisamos oferecer a ele um ambiente de livre criação, estimulando a autonomia e senso crítico”, reforça. Na prática, a educação socioemocional ajuda seu filho a desenvolver resiliência, mostrando que erros e perdas fazem parte do processo da vida. “Assim, ele aprende a não ter medo de errar e é encorajado a resolver desa os. Esse processo de aprendizagem, que foge de espaços pedagógicos engessados e punitivos, estimula autonomia e protagonismo, mostrando que só não erra quem não tenta”, explica Diego.
Se aplicada da forma certa, ela pode tornar seu filho confiante o suficiente para lidar com contratempos e procurar soluções para os erros, em vez de desculpas. “Os pais involuntariamente acabam protegendo tanto, que enviam mensagem que pode minar a resiliência e a autoconfiança dos filhos. O presente mais importante que a educação socioemocional pode dar à criança é a crença de que ela pode administrar sua própria situação”, explica Nigel.
De mãos dadas com a escola Como tudo na vida, é preciso manter um equilíbrio entre liberdade e restrição, além de não depositar a responsabilidade da educação da criança totalmente na escola. “A sociedade não pode e não deve colocar tudo nos ombros de professores. Precisamos lembrar que os primeiros e mais importantes professores de uma criança são, na verdade, os pais”, defende.
Por isso, você não deve ser dominado pela vontade do seu lho e precisa deixar isso bem claro para ele. “Família não é democracia. Os pais precisam entender que são autoridades e ter direcionamento. Não é função do seu filho e nem da escola decidir coisas importantes da vida dele. Se você tiver autoridade e um ouvido atento, não somente ao que ele verbaliza, é possível criar um equilíbrio”, explica Camila.
Além disso, a parceria entre escola e família deve ir muito além do conhecimento em volta do rendimento escolar e das reuniões semestrais. “Apoiar, valorizar o docente e as atividades desenvolvidas por eles são atitudes que se esperam da família. A escola se preocupa em vivenciar situações que envolvam o respeito às diferenças, é preciso que as crianças vivenciem em suas casas também”, aconselha Vera.
Culpa, não!
Por mais que você seja responsável pela criação do seu lho e deseje que ele se desenvolva da melhor forma, não deixe que a culpa tome conta do seu dia a dia – e isso vale para qualquer aspecto. “Os pais precisam aprender a diminuir expectativa de que o lho vai ser bom, inteligente, saudável. A cultura do Instagram deixou essa impressão de que precisamos ser felizes. A culpa na nova geração é muito grande. Ser pai não é ter um filho sempre feliz, é estar com ele quando ele não está feliz. Se olharmos de uma forma diferente para a maternidade, ela se torna mais prazerosa”, explica Camila.
Principais habilidades da inteligência emocional
> Empatia
> Felicidade
> Autoestima
> Ética
> Paciência
> Autoconhecimento
> Confiança
> Responsabilidade
> Autonomia
> Criatividade
COMO EU POSSO AJUDAR?
Veja dicas para incentivar seu filho a desenvolver a inteligência emocional. Esse processo requer paciência, mas dá certo e vai deixá-lo muito mais feliz e seguro!
Conheça seu filho: Saiba do que ele gosta e do que não, o que o incomoda e o que deixa feliz. O impacto do seu ensinamento vem de quem você é na relação com ele.
Elogie antes de criticar: Na matemática, a ordem dos fatores não altera os resultados. Nas emoções, altera e muito. Por isso, antes de dizer que seu filho fez alguma coisa errada e acusá-lo, elogie o que ele faz de bom. Assim, você desloca a lembrança do foco de tensão para uma zona saudável.
Não banque o super-herói: Fale com seu filho sobre as suas falhas, dificuldades e erros. Assim, você se torna um referencial possível e se humaniza.
Surpreenda-o: Não seja um manual de regras, tente ter uma relação leve com as crianças em casa.
Não cobre demais: Excesso de cobrança acaba deixando as crianças frustradas mais do que o necessário. Baixa autoestima faz com que não consigam buscar pelos seus objetivos.
Leia também:
5 passos para estimular a inteligência emocional do seu filho
Psicólogo dá 3 dicas para criar uma criança forte emocionalmente
Virou lei! Todas as escolas terão que dar educação socioemocional para as crianças