Você já percebeu que algumas crianças entendem tudo ao seu redor, mas têm dificuldade para colocar em palavras o que sentem ou pensam? Não estamos falando de timidez ou preguiça para conversar, mas de algo muito mais profundo: a apraxia de fala na infância (AFI). Esse transtorno neurológico, embora ainda pouco conhecido, impacta diretamente o desenvolvimento da comunicação e pode gerar frustração tanto nas crianças quanto nas famílias.
A apraxia de fala é um distúrbio que afeta o planejamento e a coordenação dos movimentos necessários para articular palavras. Ou seja, a criança sabe exatamente o que quer dizer, mas o cérebro não consegue programar os músculos da boca, língua e mandíbula para formar os sons corretamente. “A criança sabe o que quer dizer, mas não é capaz de planejar como vai mexer os músculos da boca para realmente conseguir dizer. Pode-se dizer, portanto, que é uma alteração do movimento no cérebro”, explica a otorrinolaringologista Vanessa Magosso, coordenadora do Departamento de Foniatria da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF).
Por que falar sobre isso é urgente
Apesar de ser considerada rara, a apraxia de fala pode estar presente em diferentes condições, como síndrome de Down e transtorno do espectro autista (TEA). Estima-se que 1 a cada 1.000 crianças seja afetada, o que representa milhares de casos no Brasil. O problema é que, por falta de informação, a condição costuma ser confundida com atraso simples na fala ou até mesmo com características do autismo. O resultado? Diagnósticos tardios e atrasos no início do tratamento.
Entre os dias 12 e 18 de maio, a ABORL-CCF promove a Semana de Conscientização da Apraxia de Fala na Infância, aproveitando o Dia Mundial da Apraxia, celebrado em 14 de maio. A ideia é ampliar a visibilidade do tema e reforçar que a comunicação é um direito humano. “É fundamental que haja uma abordagem inclusiva capaz de assegurar a todas as crianças, independentemente de suas dificuldades de comunicação, o direito de se expressar e interagir”, afirma Vanessa.

O que observar no dia a dia
Alguns sinais podem ajudar famílias e profissionais a suspeitar de apraxia de fala. E, quanto antes for feito o diagnóstico, maiores as chances de um desenvolvimento mais fluido da comunicação. Veja 10 sinais de alerta que merecem atenção:
- Dificuldade frequente para iniciar sons ou palavras
- Repetição de sílabas na tentativa de se corrigir
- Troca ou distorção de sons
- Ritmo estranho ao falar, com pausas exageradas
- Sons prolongados ou falas truncadas
- Hesitação para falar, com tentativas de reorganizar frases
- Fala muito lenta, mesmo com clareza de ideias
- Dificuldade em repetir palavras ou sons rapidamente
- Mudança na forma de pronunciar uma mesma palavra
- Frustração ao tentar se comunicar, mesmo entendendo bem o que escuta
Tecnologia e acolhimento como aliados
O tratamento da apraxia de fala passa por intervenções especializadas, como acompanhamento com fonoaudiólogos e foniatras. Além disso, o uso de recursos de Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) tem se mostrado fundamental. A CAA inclui pranchas de símbolos, aplicativos e até dispositivos com voz sintetizada que ajudam a criança a se expressar de forma funcional e social.
Segundo Vanessa Magosso, essas ferramentas são reconhecidas por instituições como a American Speech-Language-Hearing Association (ASHA) e a Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia (SBFa), e são cada vez mais utilizadas no apoio ao desenvolvimento infantil. “A fala é a ‘cereja do bolo’ do desenvolvimento infantil. Quando ela não aparece na idade esperada, é importante investigar se há transtornos motores, como a AFI”, reforça a médica.
Informação que transforma
Durante a campanha nacional, a ABORL-CCF disponibiliza vídeos, cartilhas e conteúdos educativos para famílias, profissionais de saúde e educadores. O objetivo é promover mais empatia, escuta ativa e inclusão, além de lembrar que todas as crianças merecem ser ouvidas – ainda que por outras formas que não a fala tradicional.
Se você percebe que seu filho entende tudo, mas tem dificuldade para falar, vale buscar orientação com profissionais especializados. Com apoio, acolhimento e informação, é possível ajudar essa criança a encontrar sua voz, seja com palavras, símbolos, gestos ou tecnologia.