Setembro Amarelo é tempo de lembrar e falar sobre a prevenção ao suicídio. Tema difícil e desafiador para qualquer pessoa. Mas olhar o problema sem preconceito, nos permite entender as causas, os sintomas e como a prevenção é possível.
Estatísticas recentes revelaram que mais de 95% dos casos de suicídio ocorrem devido a doenças psiquiátricas já previamente diagnosticadas e estima-se que pelo menos uma parte dos casos restantes possam ser de quadros psiquiátricos leves ou discretos que ainda não foram diagnosticados.
“Sempre que o suicídio se mostrar uma possibilidade, quer seja com gestos suicidas (cortes e mutilações) ou tentativas de suicídio propriamente ditas, deve-se estar atento que é bem possível que ela esteja ocorrendo como consequência de um transtorno cerebral psiquiátrico”, explica o psiquiatra e pesquisador especializado em doença afetivas e transtornos do humor da Universidade de São Paulo e Faculdade de Medicina do ABC, Diego Tavares.
Segundo o psiquiatra, os transtornos do humor são os mais associados às doenças do espectro depressivo (depressão propriamente dita, mau humor crônico) e as doenças do espectro bipolar (qualquer doença com oscilação do humor).
Infância
Na infância os distúrbios do humor podem se apresentar de maneira muito mais sutil e silenciosa do que em adultos. Depressão pode ser uma possibilidade quando a criança que tinha um desenvolvimento normal muda o comportamento. Tavares elenca aspectos que podem chamar atenção de pais e responsáveis:
– A criança passa a se isolar dos amigos e das atividades antes prazerosas;
– A criança passa a sentir sono e dormir muito durante o dia;
– A criança passa a não querer comer ou perde muito peso;
– Ela passa a sentir muito medo e insegurança, se tornando mais dependente dos pais;
– Quando a criança passa a dormir mal à noite e a apresentar muita insônia ou pesadelos;
Outra possibilidade levantada pelo psiquiatra e pesquisador é o transtorno bipolar. Neste caso chama atenção:
– Mudanças súbitas de humor que passam de triste e desanimado a bastante expansivo e animado;
– Períodos de excesso de comunicação e grande necessidade de falar e interagir com os outros;
– Grandiosidade e comportamentos de muita autoestima e prepotência/arrogância;
– Comportamento desafiador e opositor frente a adultos e autoridades;
– Intensa irritabilidade e agressividade quer seja verbal ou física;
– Aumento de energia e redução marcante do tempo de sono sem se cansar.
“Se uma criança apresentar indícios de que oscila o humor (quer seja para baixo – depressão ou para cima e para baixo – bipolar), é imprescindível uma avaliação diagnóstica visando à detecção rápida e precoce de um distúrbio da desregulação do humor que possa requerer tratamento (psicológico ou medicamentoso) visto que em ambas as doenças podem ocorrer tentativas e planos suicidas”, alerta Tavares.
De acordo com o psiquiatra, na depressão a incidência de suicídio é menor do que no transtorno bipolar, sendo que no adulto esta taxa é em torno de 8% dos deprimidos e de 15% nos bipolares. “É importante notar que, ao contrário do que se imagina, uma criança bipolar não irá apresentar necessariamente alterações de humor e comportamento que mudam de depressão para euforia como a maioria das pessoas acredita. A elevação do humor no transtorno bipolar ocorre com euforia em uma minoria dos casos, sendo que na maioria esta elevação é sútil e discreta, apenas com maior grandiosidade, aumento de energia, aumento das atividades, mais vontade de falar e interagir com os outros e menor necessidade de dormir, a criança passa a dormir menos horas por dia e mesmo assim está descansado”, relata.
É muito importante observar ainda se a criança não tem contrastes de comportamento como períodos de algumas semanas ou meses de maior rotação, cansaço e isolamento, que seriam a fase depressiva da doença bipolar e outros períodos de maior ativação, melhora do comportamento, mas com excesso de energia e atividades que passam despercebidas como alteração cerebral frutos de uma mesma doença não identificada. E o suicídio na infância, embora ainda pouco documentado em termos de estatísticas, mesmo sendo menos frequente e até menos comentado, também pode ocorrer principalmente nas fases depressivas.
“Sempre que houver histórico familiar de transtornos do humor e que uma criança apresentar modificações de comportamentos marcantes em relação ao seu funcionamento anterior, é importante romper o estigma e pensar na possibilidade de uma alteração cerebral psiquiátrica que possui tratamento e que vai garantir um neurodesenvolvimento e um desenvolvimento psicológico saudável aquela criança”, completa o psiquiatra e pesquisador.