Publicado em 16/07/2020, às 13h16 - Atualizado em 17/07/2020, às 09h23 por Redação Pais&Filhos
Depois do choro, o desenho é um dos primeiros jeitos que as crianças encontram para se comunicar. Ele vem antes mesmo de elas aprenderem a falar, ler ou escrever. Basta que consigam segurar um lápis e rabiscar o papel, para começarem a se expressar e colocar seus sentimentos para fora. Acredite se quiser: mesmo os traços aleatórios e aparentemente “sem sentido” carregam algum significado por trás.
Você não precisa esperar que seu filho saiba fazer grandes obras de arte para começar a prestar atenção nesses detalhes. O recomendado pelos especialistas, aliás, é justamente o contrário: que os pais estejam sempre de olho nas produções — sem cobranças, é claro.
O desenho do seu filho não precisa ser bonito visualmente. E nem cabe a você, como pai ou mãe, julgar se o resultado deveria ser mais caprichado. Seus esforços devem ser para verificar se, na hora de pegar o lápis e riscar o papel, a criança já domina as habilidades esperadas para a idade.
“Nem toda criança nasce para ser um Van Gogh. Também não é preciso que os desenhos sejam perfeitos, mas obviamente eles nos trazem algumas informações importantes sobre coordenação, percepção e maturidade cognitiva”, esclarece Antônio Carlos de Faria, neuropediatra do Hospital Pequeno Príncipe (PR) e pai de Pedro, Manu e Júlia.
Assim que seu filho tiver controle para segurar um lápis ou um giz de cera, ele já pode começar a desenhar – sempre com supervisão, é claro. No começo, vão sair só rabiscos. É assim mesmo. Essa fase dura mais ou menos até os 3 anos. Depois disso, a tendência é que ele comece a fazer rostinhos e formas um pouco mais estruturadas.
Aos 4 ou 5 anos, já deve saber diferenciar e desenhar círculos, quadrados e pelo menos uma ou duas outras figuras geométricas. Os bonecos normalmente são estilo palito e aos poucos vão ganhando pernas e braços. Aos 6, a criança já consegue dar vida a personagens com maior nível de detalhes, inclusive diferenciando meninos e meninas. Só depois, aos 7 ou 8, vêm noções de perspectiva e profundidade. Após isso, os desenhos já começam a ser mais realistas e parecidos com os dos adultos.
Conforme as crianças crescem, elas vão “perdendo” o espaço para ser criativas dentro da escola. Com o tempo, as tarefas aumentam e o desenho passa a ser deixado de lado. Por isso mesmo, é importante que ele sempre seja incentivado dentro de casa.
O melhor jeito de fazer isso é criando um momento gostoso e em família, para que seu filho se sinta confortável para rabiscar à vontade. Pode parecer óbvio, mas o primeiro passo é deixar lápis e papel sempre à mão, em um lugar que ele possa pegar quando quiser. Nada de guardar o material de papelaria em armários ou prateleiras altas, por exemplo. “Isso precisa estar sempre num lugar de fácil acesso. No começo, vai fazer bagunça e sujar, mas a gente precisa entender que é só uma fase”, diz a psicóloga Chaielen Barboza, mestre em avaliação psicológica e mãe de Joaquim.
O importante é incentivar, mas sem ficar interrompendo ou dizendo o que seu filho deve ou não desenhar. Isso significa deixar ele se expressar do jeito que quiser, sem ficar podando as ideias. “É bom deixar a criança bem livre, para que ela possa ser criativa. Se os pais sempre corrigem o que ela está fazendo, pode ser até que ela perca o interesse em desenhar nas próximas vezes”, explica a pedagoga Nancy Rabello, mãe de Alessandro e autora do livro “O Desenho Infantil – Entenda Como A Criança Se Comunica Por Meio de Traços e Cores” (Wak).
A partir do momento que seu filho aprende a falar e se expressar verbalmente, é natural que ele queira mostrar e contar histórias sobre os seus desenhos. Aproveite essa oportunidade para puxar assunto e conversar sobre o que ele estava pensando quando colocou tudo aquilo no papel. É nessa conversa que podem aparecer pistas importantes sobre como ele está se sentindo.
Se ele desenhou uma família e esqueceu de colocar o irmão, por exemplo, tente entender o porquê. Você dificilmente vai saber se não perguntar. Pode ser que seja um episódio de ciúmes ou simplesmente a representação de personagens que ele viu na televisão.
Na grande maioria das vezes, os desenhos não trazem respostas prontas. Eles são só o empurrãozinho para o começo de uma observação mais longa e cuidadosa. “Os pais não precisam levar a ferro e fogo tudo o que vêem no desenho das crianças. [Do ponto de vista da psicologia], é mais importante se prender à história que elas contam do que ao desenho em si”, afirma Chaielen.
Em outras palavras, não adianta querer interpretar cada pequeno elemento que seu filho coloca no papel. O desenho nunca deve ser visto isoladamente. Ele é importante e pode nos dar algumas pistas sobre o desenvolvimento e o estado emocional das crianças, mas sempre precisa ser observado dentro de um contexto mais amplo. Para tirar conclusões mais profundas, só conversando com um especialista e, se houver necessidade, fazendo uma avaliação.
As crianças sempre vão desenhar sobre aquilo que elas vivem, sentem, vêem e escutam. Se sua família mora numa casa amarela e com janelas grandes, muito provavelmente seu filho vai desenhar casas que tenham mais ou menos essas características. Fazendo uma analogia, é como se o desenho fosse um reflexo das experiências que a criança tem.
Por isso, se começarem a aparecer temáticas muito parecidas, sempre girando em torno de uma mesma história, preste mais atenção. “O desenho muito repetitivo funciona como um sinal de alerta e até um pedido de socorro em alguns casos”, explica Nancy. É comum que crianças que sofreram traumas e abusos, por exemplo, desenhem de forma recorrente cenas de violência. Mas lembre-se sempre: isso nunca deve ser encarado como uma regra. Só um especialista, depois de fazer uma investigação, pode dar o veredito final. Seu papel como pai ou mãe é ficar de olho nesses sinais e, na dúvida, procurar ajuda.
Compartilhar essas experiências com professores ou amigos que têm filhos mais ou menos da mesma idade pode ser uma boa. Assim, você consegue ter uma noção de quais tipos de comportamentosão considerados comuns ou não naquela fase. Se todos os colegas de sala já desenham formas geométricas e seu filho mal consegue fazer uma linha reta, por exemplo, é bom prestar atenção.
Nem sempre a dificuldade em avançar para a “próxima fase” é só uma questão de tempo. Pode ser que também seja um indício de atrasos no desenvolvimento motor ou cognitivo. “Só de observar o desenho dá para ter uma noção se a criança está no compasso adequado do desenvolvimento para a faixa etária. Se percebermos alguma coisa diferente, é preciso investigar se não há alguma neuropatologia por trás”, finaliza Antônio Carlos.
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