Ele: nunca vamos ficar ricos
Uma amiga minha, a Bia, decidiu trabalhar só meio período depois que o filho nasceu. Quer participar de cada momento. “Mas, Bia, assim você não vai ficar rica nunca!”, alertou um amigo. É verdade. A Bia ganha menos dinheiro. Mas eu conversei com ela esses dias e ela estava mais feliz que o Bill Gates.
No almoço um colega do trabalho disse que não vai aceitar uma promoção. Quer continuar com as manhãs livres, curtindo a filha. “Não vale a pena”, ele disse. Está certíssimo: entre abraçar todos os dias de manhã uma menina linda de pijama ou mais quinhentos reais na conta, com qual você ficaria? Tem vezes que a promoção não paga nem a creche que você vai ter que contratar. Tem vezes que não paga nem a gasolina. Participar do crescimento dos filhos tem uma série de vantagens, para crianças e adultos.
Eles aprendem mais rápido, se desenvolvem com mais confiança. A gente libera um monte de hormônios de prazer, por estar por perto de coisas fofas que dão risadas deliciosas. Vivemos mais felizes, menos estressados, o coração batendo que é uma beleza. “Mas você precisa investir na sua carreira”, dizem alguns, e eu concordo com isso.
Todos os dias, depois de fazer minhas filhas dormirem, volto pro computador pra trabalhar. Estou escrevendo este texto às 04:29 da madrugada de um feriado. O que eu fiz foi uma lista de prioridades, família no topo, e tudo aquilo que dava pra dizer “não” eu fui dizendo. Não me arrependo. Um dia eles vão crescer. Vão querer saber só de amigos, de amores. Teremos tempo pra ler, fazer um curso, abrir um negócio. Pode ser que a gente nunca que rico, é verdade. Mas tanta gente trabalha como condenado e também não fica. O nosso tesouro a gente sabe onde está.
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Ela: Freundlichkeit
O incensado filósofo sul-coreano Byung-Chul Han vem há anos falando sobre a sociedade do cansaço. Se você mergulhar em seus livros, ou fizer um curso, como eu fiz, pode concordar ou não com suas teorias, que versam sobre outras formas de existir em sociedade. Existe um ponto, no entanto, sobre o qual existe um consenso: estamos todas exaustas e a culpa não é individual, é social.
Você conhece alguém que não esteja louca por uma soneca sem interrupções nos dias de hoje? Hoje, achamos que somos livres quando imaginamos que somos nós que controlamos nosso tempo. Se você está lendo a Pais&Filhos provavelmente tem filhos e já sabe que não controla nem a hora de ir ao banheiro, que dirá o resto.
Muitas vezes abdicamos de um trabalho com horário determinado para a ilusão do trabalho de casa, do WhatsApp. Como consequência disso, ficamos o dia todo e todos os dias da semana conectadas, ao filho, ao trabalho, à casa, a tudo. Tem como não ficar cansada nesse contexto? Se souber como, por favor, me escreva. Para Han, a solução dos nossos problemas passa por relações mais afáveis entre as pessoas. Só estaremos mais tranquilas se tivermos apoio de pessoas.
Apoio genuíno, afeto e amizade. Ninguém é feliz sozinho. Na língua alemã, a palavra “liberdade” tem a mesma raiz da palavra “amizade”, Freiheit e Freundschaft respectivamente. Não existe liberdade sem mãos dadas ou braços disponíveis. Como conquistamos estes braços e abraços? Nem tudo é mercadoria, nem tudo tem etiqueta de preço, não se compram amigos.
Han nos sugere fazer o bem por fazer, sem esperar nada em troca, sem achar que vai virar negócio ou mudar o mundo. É assim que nos aproximamos de pessoas boas, que nos darão a deliciosa sensação de não estarmos sós nessa vida. E, como mãe de duas filhas grandes – com 18 e 11 anos – afirmo sem risco de errar: também é assim que cimentamos nossa relação de amor com os filhos. Freundlichkeit é a palavra alemã para afabilidade, essa forma de se relacionar com doçura e sem interesse. Se o cansaço vai passar, não sei, mas, que as horas serão menos espinhosas, disso tenho quase certeza.
Moral: “Seja apoio e curta quem estiver ao teu lado. Amor é isso, viu?”
