Quando junho chega, o Brasil inteiro entra no clima das festas juninas. Não é só pela comida boa, pela quadrilha ou pelos looks xadrez. Tem muito mais história por trás dessas tradições do que a gente imagina — e tudo começou lá na Europa, com um pé na fé e outro na diversão.
Por aqui, as festas dedicadas a Santo Antônio, São João e São Pedro se tornaram um verdadeiro evento cultural. Mais do que uma simples comemoração, elas são parte da nossa identidade e misturam religião, cultura popular e muita memória afetiva. “Cada arraial, cada fogueira acesa e cada simpatia feita com fé expressam uma catequese viva, transmitida não por livros, mas por gestos, sabores e ritmos que fazem universo de sentido para a religiosidade popular e dizem muito sobre nossa cultura”, explica Ana Beatriz Dias Pinto, doutora em Teologia e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
E, para você curtir ainda mais o próximo arraial, preparamos um guia cheio de curiosidades e significados por trás dessa tradição tão brasileira.
Por que essas festas acontecem em junho?
A origem das festas juninas vem de longe: elas surgiram na Europa católica, como celebração aos santos populares, especialmente São João, mas também Santo Antônio e São Pedro. Quando chegaram ao Brasil, no século XVI, ganharam sotaque, música e alma brasileira. O nome “junina” é simples: por acontecerem em junho. Mas, no começo, eram chamadas de “joaninas”, em homenagem a São João Batista, primo de Jesus e nascido em 24 de junho.
A fogueira tem tudo a ver com o nascimento de João Batista
A tradição da fogueira nasceu de uma combinação entre Isabel e Maria, duas primas grávidas. Isabel acenderia uma fogueira para avisar Maria sobre o nascimento de João. E assim, esse gesto virou símbolo e tradição nos festejos de São João até hoje. A fogueira é mais do que decoração: representa luz em tempos difíceis e simboliza a ideia de que tudo aquilo que não traz alegria pode ser queimado no fogo.
Pular a fogueira tem um significado ancestral
Não é só diversão ou desafio. Pular a fogueira significa purificação e renascimento. A tradição ganhou ainda mais força quando virou música: “Pula a fogueira, ioiô”. Segundo Ana Beatriz Dias Pinto, esse gesto é um arquétipo de purificação, um ritual simbólico de deixar para trás aquilo que não faz bem.
Arraial é mais do que barraquinha de comida
Sabe aquele espaço com bandeirinhas e barracas de jogo? É só a ponta do iceberg. O arraial, na verdade, representa uma aldeia temporária e sagrada. Lá tem “igreja”, “padre”, casamento, padrinhos e tudo o que lembra a vida no campo. Tudo isso homenageia o povo caipira, que é quem garante o alimento nas cidades.

Santo Antônio: o cupido da fé
Santo Antônio não era só o santo dos objetos perdidos. Sua fama de casamenteiro começou quando ajudou moças sem dote a conseguirem casar. Desde então, virou o “cupido da fé” e passou a ser o santo das causas amorosas. Não à toa, suas simpatias para quem busca um casamento são famosas até hoje.
As simpatias de Santo Antônio são um show à parte
Tem simpatia para todos os gostos: colocar o santo de cabeça para baixo, enterrar a imagem no quintal, amarrar fita azul nos pés dele ou até colocar o santo dentro do congelador. A criatividade reina quando o assunto é conseguir ajuda amorosa de Santo Antônio.
E o famoso pãozinho de Santo Antônio, abençoado no dia 13 de junho pelos frades franciscanos, também tem papel importante. Quem guarda esse pãozinho na carteira acredita que não vai faltar dinheiro nem alimento.
Quadrilha veio da França, mas ganhou nosso jeitinho
Aquela coreografia divertida da quadrilha tem raízes francesas, vindas das “danses de salon”. Por aqui, a dança ganhou um estilo mais animado e passou a contar a história de um casamento fictício. O “olha a cobra!” virou grito tradicional nas brincadeiras.
Quermesse é festa de igreja, mas também de união
Quermesse vem do termo flamengo kerkmisse, que significa festa da igreja. Essas celebrações surgiram na Bélgica como eventos beneficentes e, quando chegaram ao Brasil, ganharam novas camadas: bingo, cachorro-quente e forró. O objetivo continua o mesmo: unir a comunidade e celebrar as colheitas.
As comidas típicas são uma verdadeira Ação de Graças
Nada na festa junina é por acaso. As comidas típicas têm ligação direta com as colheitas regionais: milho no Nordeste, amendoim no Sudeste, pinhão no Paraná e uva no Sul. Tudo isso vira canjica, pamonha, pé-de-moleque, pinhão assado, quentão e vinho quente. É gratidão que se transforma em receita gostosa.

Quem protege as grávidas?
As grávidas têm vários protetores durante as festas juninas: São João, por ter sido um bebê esperado em idade avançada, São Geraldo, o Arcanjo Gabriel e Nossa Senhora do Bom Parto. Muitas mulheres aproveitam o clima da festa para comer bolo de milho acreditando que trará saúde ao bebê.
Por que sempre chove em São João?
Reza a lenda que é brincadeira de São Pedro, mas também é época de solstício de inverno no hemisfério sul. Ou seja: noites frias, muitas vezes chuvosas. Se chover, encare como bênção.
Tradição que atravessa gerações
Mesmo em tempos de internet e redes sociais, as festas juninas seguem vivas porque representam muito mais do que um evento: são encontros de fé, cultura e memória. Como explica Ana Beatriz Dias Pinto, “as festas juninas permanecem como ritual coletivo, memória afetiva e expressão de uma espiritualidade popular legítima”.
E se você acha que tudo isso é coisa do passado, vale lembrar: enquanto houver fogueira acesa, bandeirinha no alto e cheiro de milho cozido no ar, a festa continua. Porque tradição boa é aquela que a gente vive junto, geração após geração.