A mamãe já volta, em dois minutinhos! No meio da leitura do livro, uma pausa para desligar o arroz que está no fogo. E mais uma paradinha na lição de casa para responder um áudio no WhatsApp e por fim, a última para colocar as roupas na máquina de lavar. Ao fim da brincadeira a sensação é de dever cumprido. Ou não!!
Administrar todas as demandas do dia a dia sendo pai e mãe sem ter culpa pode parecer impossível. Mas não é! Você já ouviu falar em tempo de qualidade? Pausa dramática! Antes mesmo de ler qualquer outra informação neste texto, falar em tempo de qualidade já te fez pensar sobre o assunto, não é mesmo? Cada vez mais os adultos têm exigências profissionais e sociais. O WhatsApp toca a todo minuto, é o cliente, é o chefe, é uma ligação de telemarketing, é o grupo da família. O imediatismo é a palavra do momento.
Tem a hora do trabalho, tem a hora do almoço, do banho, hora da atividade física, mas é preciso ter também a hora dos filhos! Ter um ‘tempo de qualidade’ com as crianças significa se entregar inteiramente a uma atividade com eles sem interromper por nenhum outro motivo qualquer. É aquele momento de entrega e muita troca entre pais e filhos.
Em países desenvolvidos, como Reino Unido, Dinamarca e Itália, o tempo que as mães passam por dia com os pequenos chega a ser de 150 minutos – ou 2 horas e 30 minutos. Já os pais gastam pouco mais de 100 minutos – menos de 2 horas. Se você já estava aí fazendo suas contas, pode parar. Nada de cronômetro! “Não existe o perfeito, existe o possível. Seja 10, 30 ou 60 minutos por dia, o importante é que a criança se sinta valorizada, cuidada e amada. Por isso, o tempo de qualidade com os filhos é aquele período que você dedica para conhecer melhor a criança, suas angústias, suas preferências e sua rotina”, explica Adriana Fóz, neuropsicóloga, psicopedagoga, educadora e pesquisadora em neurociência educacional e diretora da NeuroConecte.
A hora é agora
A neuropsicóloga ressalta ainda que a organização é a palavra-chave! Cada família deve se adequar de acordo com a dinâmica da casa. E a boa notícia é que os cuidados básicos não só podem, como devem entrar nesta conta! Uma brincadeira na hora do banho, a apresentação dos alimentos e o reconhecimento das preferências, uma dica na lição de casa, uma historinha na hora de dormir e até mesmo o limite do horário da televisão. São nesses pequenos gestos que os filhos reconhecem o cuidado e acolhimentos dos adultos e sentem a segurança necessária para o desenvolvimento.
Mas, para isso, a gestão do tempo e a definição das prioridades são fundamentais. Há pouco mais de seis anos, a terapeuta integrativa, Juliana Petroni, mãe de Giovanna, de 13, e Eduardo, de 6 anos, percebeu essa necessidade. “Com a chegada do meu segundo filho eu tive um grande chamado da vida para viver e aproveitar cada segundo com eles”, reforça a terapeuta.
Juliana diz que trabalhava como jornalista e quase não tinha tempo para participar da vida dos filhos e ainda cumpria plantão aos finais de semana, até que percebeu que essa dinâmica estava prejudicando a criação e conexão que tinha, principalmente com a filha mais velha. “Primeiro, decidi empreender e aos poucos fui migrando de profissão. Hoje consigo ter uma agenda mais flexível, dou cursos, palestras e faço atendimentos online para pacientes do mundo todo e ainda consigo participar da vida das crianças”, afirma orgulhosa.
Ela diz que percebe o quanto essa decisão trouxe de benefícios para toda a família. “Estar mais perto da educação, poder almoçar junto a eles, ouvir mais, estudar ao lado de cada um, mudou a minha forma de encarar a maternidade”, afirma Juliana e completa: “Consigo claramente observar que essa mudança foi fundamental para acompanhar a transição da infância e pré-adolescência da filha mais velha, que hoje é claramente mais segura e consigo perceber também o quanto aprendi a fortalecer os vínculos com o meu filho caçula”.
Mas, sabemos que nem sempre é possível fazer tantas alterações como fez a terapeuta Juliana. Por isso, a psicóloga e psicanalista, coordenadora do Núcleo Bebês de Risco em Saúde Mental do Departamento de psiquiatria da Unifesp Dra. Vera Zimmermann destaca duas dicas simples que podem fazer toda diferença: sair e voltar de casa. “Sempre que possível, os responsáveis devem se levantar mais cedo para preparar o espaço para que a criança possa acordar bem, tomar um café com os pais e que esse caminho até a escolinha ou a saída deles de casa seja feita de uma forma tranquila”
Ela explica ainda que se a separação – pais e filhos – , logo pela manhã, for feita de uma maneira muito atribulada, a criança fica ansiosa e os pais culpados pelo resto do dia. “Por isso, é importante cuidar desse início do dia para que cada um vá para o seu espaço sem culpa, com aquele sentimento de ter tido pelo menos uns cinco minutos de uma relação legal e se despedindo bem um do outro”
A volta para casa é a dica número dois. “Se os pais chegarem e forem primeiro tomar banho, jantar e depois ficar com os filhos isso já cria um sentimento de insatisfação e a criança fica mais agitada e menos se aproveita esse tempo de qualidade. Ao chegar em casa os filhos precisam imediatamente de um tempo exclusivo para eles”
Veja pequenas coisas que você pode fazer pelo seu filho que tem um grande impacto:
- Monte uma horta em casa
- Leia um livro
- Brinque de faz de conta
- Façam caretas em frente o espelho
- Crie bonecos de massinha
- Façam um piquenique no parque
- Inventem brincadeiras no banho
- Façam uma receita juntos
- Vejam as fotos de família
- Compartilhe suas histórias de quando era criança
- Aprendam algo novo juntos
- Ouçam música
- Coloque a criança para ajudar nas tarefas de casa
- Faça um acampamento na sala
Culpa: como se livrar?
Dar um presente ou um doce para a criança ou dizer sempre sim a fim de substituir um afeto que não foi dado durante o dia é um erro bastante comum. “Os pais que se sentem muito culpados não conseguem pensar no futuro da criança. Eles só pensam em resolver a frustração naquela hora e isso leva a um empobrecimento e uma fragilização psíquica dos filhos”, alerta Vera Zimermann.
Se você acha que pode ser um super-herói e dar conta de tudo sozinho eu vou te contar uma coisa: você não vai! A neuropsicóloga Adriana Fóz reforça ainda que cada núcleo familiar tem uma estrutura diferente e não há uma fórmula mágica para a parentalidade, mas com pequenas atitudes diárias e contar com uma rede de apoio é fundamental para ter sucesso nesse processo. Já parou para pensar nisso?
É importante que pais e mães saibam que existe uma grande diferença em terceirizar os cuidados do filho e pedir ajuda “Os pais precisam contar com rede de apoio, que podem ser familiares, amigos e até mesmo a escola. Pois as necessidades das crianças são muitas”, explica Dra. Vera. E completa: “Não significa terceirizar e sim pedir ajuda para preencher lacunas. Não significa também perder a vinculação”, reforça a psicanalista.
Não se cria mais filhos sozinhos
Mesmo que a criança esteja na escola ou com algum cuidador durante todo o dia quando chegam em casa é com os pais que querem ficar. Isso é uma afirmação de que a relação está cada vez mais consolidada”, afirma Dra. Vera. A fotógrafa Mayra Aline, mãe de Gabriela, 20, Rafaela, 18, e Athena de 5 anos de idade conta que sempre teve a ajuda da mãe para cuidar das meninas. “Tive minha primeira filha aos 18 anos de idade e nessa mesma idade comecei a trabalhar fora. Durante todo esse tempo, minha mãe sempre foi a maior responsável pelas minhas duas primeiras filhas. Fui professora infantil durante toda a infância delas e isso sempre me deixou chateada por não poder acompanhar mais de perto o crescimento delas”, relembra.
E só depois de sentir muita culpa, logo depois da terceira gravidez, Maya conseguiu organizar a forma de maternar. “Criei coragem e larguei tudo para começar a trabalhar por conta própria. A partir daí tudo mudou para melhor. Eu faço meus horários e estou presente literalmente com as minhas filhas. Hoje em dia tem orgulho em falar que tem tempo suficiente para participar da vida escolar, das brincadeiras e principalmente da educação das filhas.”, conta Mayra.
Benefícios para a vida
Segundo a neuropsicóloga Adriana Fóz, a primeira infância é o período mais importante para estabelecer essa conexão, que ela chama de base do ‘cérebro afetivo’. Estudos em psicologia, sociologia, medicina e neurociência mostram que nessa fase o cérebro é capaz de realizar mais de um milhão de novas conexões por segundo! “Nesse período, o cérebro é mais maleável e mais aberto para a interferência externa. Então, de fato, existe uma janela de oportunidade mais sensível para as questões emocionais de 0 a 6 anos. E esse é o momento ideal para criar uma nutrição afetiva, um vínculo entre pais e filhos”, explica.
Isso acontece porque nosso cérebro está em formação acelerada durante os primeiros anos de vida, com um ritmo de construção de sinapses (as conexões cerebrais) muito superior ao de qualquer outra fase. Ou seja, os impactos que sofremos, tanto os positivos como os negativos, carregam muito mais efeitos para o restante de nossas vidas. E estabelecer esse vínculo entre pais e filhos pode gerar as seguintes consequências:
- Capacidade de se autorregular
- Fortalecimento emocional
- Lidar com frustrações e surpresas
- Colaboração em família
- Desenvolvimento de empatia e resiliência
- Segurança
- Autoconhecimento
Conectados
A tecnologia é inevitável na vida das crianças hoje em dia e, inclusive, pode ser usada positivamente nessas relações. Muitas escolas já utilizam dessa estratégia para conectar os alunos com os pais à distância. “Trocar mensagens carinhosas, como áudios, fotos e figuras acalma psiquicamente ambas as partes. Isso é uma coisa muito saudável, porque deixa os pais menos culpados e com a sensação de estar acompanhando o dia do filho. É uma forma também de amenizar essas angústias e evitar essas situações de culpa que fazem tanto mal para o desenvolvimento”, finaliza a psicanalista Vera Zimmermann.
Veja outras dicas de como criar tempo junto com seus filhos:
- Organize suas prioridades e inclua seus filhos nelas
- Crie uma rotina de brincadeiras
- Anote na agenda
- Aproveite as tarefas do dia a dia para transformar em diversão
- Planeje as brincadeiras
- Use a criatividade