É com a voz trêmula e o coração apertado que Samela Roberta da Silva Hidalgo, de 27 anos, conta a situação vivida pelos pacientes infectados pela Covid-19 em Manaus: “É desesperador, a gente não aguenta mais”. Desde a última sexta-feira, 8 de janeiro, a avó da jovem, Maria de Nazareth Araújo da Silva, de 85 anos, e a tia, Jaqueline Araújo da Cruz, de 48, estão sendo cuidadas em casa, pela família, depois de serem a internação recusada por quatro hospitais públicos e privados da região.
“Como a minha avó já tem 85 anos, a internação dela não é mais prioridade. Já a minha tia é surda sinalizante, além de ter esquizofrenia. Por ser esquizofrênica, é muito difícil ela ficar sozinha, sem ninguém para explicar nada, para acalmá-la. Também não encontramos nenhuma internação que trabalhe com libras. Então, no desespero, a gente resolveu trazer elas para casa e cuidar delas aqui”, relata a jovem, em entrevista à Pais & Filhos.
Família montou UTI em casa
A solução encontrada pela família foi montar uma mini UTI. Para isso, os parentes correram atrás de um cilindro de oxigênio, máscaras de respiração, e a contratação de um médico e uma fisioterapeuta. Os profissionais, conta Samela, visitam a casa todo dia para acompanharem o progresso das pacientes.
“Esse médico nos disse que nossa avó está com 90% do pulmão comprometido, e a minha tia com 60%. Ficamos bem desesperados”, relata. A neta, que vive em São Paulo, não pensou duas vezes antes de embarcar para Manaus no início da semana e se juntar à força-tarefa da família. Segundo ela, uma das maiores dificuldades foi encontrar oxigênio para as duas.
“No início, só tínhamos um cilindro de 2L, mas depois meu primo conseguiu um maior no trabalho, de 10L. A gente precisa dividir meia hora cada uma, para salvar a vida das duas. Foram noites e noites sem dormir, só vendo a saturação delas, que estava bem baixa, entre 85% e 81%”, explica.
“Ontem foi um sufoco, porque o oxigênio tinha acabado. Meus primos foram na madrugada, 3h, para a filha da Nitron, a distribuidora daqui, e a gente só conseguiu encher às 2h da manhã de sexta, ou seja, quase 24h depois”, completa.
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“Foi uma ação coletiva para salvar a vida delas”
Samela diz que a família também conta com a ajuda de amigos, que organizaram uma vaquinha para auxiliar nos custos do tratamento doméstico. Um tubo de oxigênio de 10L, por exemplo, custa R$400,00 e precisa ser renovado a cada quatro dias. A fisioterapeuta cobra o mesmo valor, diário, enquanto o médico fica em R$800,00 por turno e os exames na faixa de R$1.000 por semana. As doações podem ser feitas diretamente com a família.
“Se hoje minha avó e minha tia estão vivas é porque toda a família se juntou para salvar a vida delas. Todo mundo ajudou financeiramente e até para procurar as coisas, os cilindros, o oxigênio, os médicos e os exames. Foi realmente uma ação conjunta da família para tentar salvar a vida delas”, conta.
Além disso, os riscos continuam. Com a convivência 24 horas por dia, os pais de Samela já começaram a sentir os primeiros sintomas da doença. “Meu pai está com febre, a gente já espera que ele esteja contaminado”, afirma. “Minha mãe também, já que ela precisa tirar a máscara para minha tia fazer leitura labial”.
Situação parece “um apocalipse”, diz neta
“A situação aqui é muito desesperadora. Ninguém mais aguenta ouvir relato de algum amigo que perdeu o pai, de famílias perdendo os parentes. Ultimamente todo mundo conhece alguém que perdeu um ente querido, é muito estresse. Tá todo mundo dentro de casa, só escutamos a polícia passando, as ambulâncias. Parece que estamos vivendo em um filme distópico, um apocalipse, uma coisa que nunca imaginamos viver. Está todo mundo muito abalado, sinceramente a gente não aguenta mais”, finaliza.