É tão inspirador falar sobre sonho, mas não aquele que seu filho tem durante o sono e costuma contar para você pela manhã, e, sim, aquele que ele sonha acordado. “Mãe, um dia eu quero viajar para a Disney” ou “Pai, quando eu for mais velho, serei um astronauta”. Até mesmo aquele sonho que a gente sabe que vive no mundo faz de conta, como conhecer um unicórnio, contribui para o desenvolvimento cognitivo e emocional do seu filho. Esses sonhos vão muito além da manutenção da esperança.
De acordo com a psicóloga e psicanalista Renata Bento, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro e mãe de João Pedro e Eduardo Luiz, o primeiro sonho do seu filho nasce pautado na experiência que ele tem com você. Ou seja, é a partir daquilo que você apresenta para ele sobre o mundo, com suas crenças e atitudes, que ele vai construir os desejos. “O primeiro passo da criança é buscar repertório de fora, depois, conforme os anos passam, ela começa a ampliar seus horizontes buscando suas próprias identificações”.
Normalmente, a primeira identificação é querer ser igual a você. Seu filho vai usar suas roupas, imitar o jeito que você fala e o sonho dele será ser igual a você quando for mais velho. Não é à toa que as meninas “roubam” os saltos e maquiagem das mães, construindo um mundo da imaginação no qual elas podem ser como a mãe é. Todo esse processo faz parte do sistema cerebral.
Neurônios soltos
De acordo com a neurologista pediátrica Karina Weinmann, filha de Jacira e Hugo, a gente nasce com os neurônios todos soltos e as conexões entre cada um são feitas conforme a criança cresce e recebe informações. Imagina! “Chamamos isso de neuroplasticidade. Durante esse processo, os neurônios que não foram conectados morrem. Uma criança que vive em um ambiente pouco estimulador, por exemplo, desenvolve uma neuroplasticidade pobre”, explica Karina.
O desejo tem um papel superimportante neste desenvolvimento cerebral; ele mantém a criança em movimento. A psicanalista Adriana Dias, mãe de Bernardo, comenta que quando a gente tem uma ambição, temos um motivo para seguir em frente.
Quando a criança está motivada é ativada a rede atencional do cérebro, área responsável pelo planejamento para aquela ideia ser executada. A neurologista explicou para a gente que nosso cérebro é dividido em duas partes: lado direito é emocional e esquerdo racional. Essa divisão só é concretizada após os 7 anos de idade, antes a criança é completamente feita de emoções. “Por isso você precisa racionalizar a mensagem “, comenta Karina.
O desejo é bom para estimular a ampliação do universo do seu filho, ele vai conhecer as coisas através dos sonhos. Mas a especialista alerta que as crianças não sabem avaliar e dar nome às coisas. “Você é o guia, quem vai colocar no lugar certo as informações que ela está recebendo”.
Na luta contra o imediatismo
O sonho do seu filho pode ser uma ferramenta de ensino sobre como lidar com a espera. Imagina só: você começa a ter o desejo por algo e no dia seguinte aquilo se realiza. Parece ótimo, mas ser sempre assim pode ser um problema!
Ter todos os desejos realizados na hora não colabora para o desenvolvimento emocional do seu filho, pode até gerar ansiedade. Ele vai querer que as coisas aconteçam na hora e quando você não tiver condições de realizar aquela vontade, será literalmente o fim do mundo.
“Seu filho quer um brinquedo? É importante estabelecer um tempo até que esse sonho seja realizado”, aconselha Renata. E o mais importante: se você não puder realizar aquele desejo, seja sincero com seu filho. Não precisa criar uma história ou dizer que eles vão ganhar aquele brinquedo depois, use sempre a verdade. “Tenho um conselho: o que você prometer ao seu filho, cumpra!”, comenta Renata.
Isso, na verdade, deveria ser uma regra para todas as nossas relações, porém nós temos uma maior maturidade para lidar com a frustração de não ter uma promessa cumprida. Para o seu filho, você é a pessoa de maior confiança dele.
Desejo do filho X Desejo do pai
Como dissemos anteriormente, você é a primeira referência do seu filho na construção do que ele deseja, porém através da brincadeira ele vai descobrir quais são os próprios desejos. “O sonho de vigília (sonhar acordado) se desenvolve quando a criança tem uma intimidade com ela mesma brincando”, explica Renata.
É o famoso mundo da imaginação, onde seu filho pode ser o que quiser. É durante essa brincadeira que ele descobre o que realmente quer ser. Por isso que muito mais importante do que colocar a criança para criar um currículo, é deixar a criança ter um ócio produtivo, no qual ela vai criar suas atividades favoritas e resolver seus próprios conflitos.
Além de incentivar as brincadeiras, dê espaço para a criança dizer e fazer o que gosta. “Separe o que é só seu do sonho do seu filho”, alerta a psicóloga. Às vezes os pais criam expectativas em cima das crianças pautadas em experiências que foram frustradas no passado. Dar a oportunidade de o seu filho desenvolver e realizar as próprias atividades como ir à aula de futebol ao invés do ballet.
Existe criança sem sonho?
Quando estávamos construindo essa pauta na redação, surgiu uma dúvida: se existiria uma criança sem sonho e o que isso poderia impactar no desenvolvimento. Renata nos afirmou durante a entrevista, que sim, há crianças sem desejo. Na verdade elas querem tudo e não sabem o que realmente querem. “Isso acontece pela ausência de limite e dificuldade dos pais de trabalharem na criança a frustração “, explica.
Lidar com as frustrações é lidar com o limite do outro. Neste processo de estímulo do sonho, seu filho precisa entender que ele não pode tudo. Principalmente porque muitos desejos que a gente tem envolvem outras pessoas.
A gente sabe, é difícil! Educar é acompanhar aquela criança e tentar entender o que aquele sujeito precisa. Afinal, cada ser humano é diferente do outro. Até mesmo um irmão é diferente do outro. Você cria filhos com a mesma educação e cada um irá absorver e reproduzir os ensinamentos de maneiras distintas. Mas essa é a graça da vida!
Guiar os filhos é sempre o maior trabalho dos pais e não existe receita. Você é o guia, a pessoa que será referência para ele e que o ajudará a ser protagonista da própria vida, descobrindo os próprios sonhos e vontades.