Equilibrar a maternidade de três filhos com um cargo alto na empresa pode parecer uma missão e tanto para qualquer mulher, mas que Mariana Albernaz consegue encontrar esse equilíbrio. Ela é Head de Business Partner de RH na Danone, e mãe de Lucas, Gabriela e Eduardo, que têm entre 3 e 11 anos. No auge dos seus 39 anos e com 13 anos de empresa, ela acredita que o suporte da instituição e gestores faz toda a diferença para que as mães possam se desenvolver profissionalmente, e também dentro da maternidade.
Na Danone, inclusive, foi implementado recentemente uma política parental inclusiva garantindo que mães, pais e pais adotivos, inclusive na relações homoafetivas, possam vivenciar esse momento de ter um filho de forma única, sem preocupações e com todo respaldo e suporte no trabalho. Dentro da nova norma, que foi aplicada globalmente na empresa, estão direitos como apoio especializado e multiprofissional para a gestante, rodas de discussões – sobre saúde e até troca de experiência entre famílias que estão em processo de adoção, licença estendida (mães parturientes: 180 dias; pais biológicos: 20 dias; mães e pais adotivos: 180 dias), e no retorno, a possiblidade de home office ou horários flexíveis, por exemplo, além do apoio à amamentação.
PAIS&FILHOS: Você sempre quis ser mãe?
Mariana Albernaz: Eu sempre tive essa convicção que eu queria ser mãe e ter filhos. Não seria uma catástrofe não ter, a vida também acontece de outras maneiras. Eu sou uma pessoa que olho muito para minha realidade, trabalho com ela. Então, eu sempre tive o sonho de ser mãe, desde pequena. Acho que eu tenho sorte das mães que eu cresci: avó, mãe, mulheres no geral, serem muito batalhadoras, inspiradoras, sempre trabalharam dentro e fora de casa. Então eu sempre tive isso dentro de mim: que eu queria ser uma mulher incrível, uma mãe incrível. E eu tenho essa bagagem legal e muito inspiradora de família.
P&F: Você teve seu primeiro filho com quantos anos? Ele foi planejado?
MA: Quando tive o Lucas eu tinha 27 anos. Ele não foi super planejado, mas eu estava em um relacionamento super estável, foi em um momento excelente. Eu e meu marido somos muito adaptáveis e nos ajustamos super bem à situação. Lógico que o primeiro filho nunca é fácil. Muda tudo. Você só sabe na prática. Você lê, se prepara, mas hora que chega o bebê tem um monte de coisa que dá certo e um monte de coisa que dá errado.
P&F: Ainda mais o primeiro, né?
MA: Principalmente o primeiro. Eu falo e às vezes as mulheres não acreditam: é diferente! O segundo, terceiro, é muito mais fácil pra gente como mãe. Porque com o primeiro filho, nasce a mãe também. E por mais que os outros sejam diferentes, têm às vezes outras questões de saúde, dá trabalho também. A gente fica mais segura. Eu acho que isso ajuda.
P&F: E quando você teve seu primeiro filho, o Lucas, você estava em que momento do seu lado profissional?
MA: Eu estava em um momento super crescente de carreira, começando minha carreira. Eu sou engenheira civil de formação, mas logo que me formei fui trabalhar na área de logística e operações, e vinha muito bem. Um ponto interessante é que não tinham mulheres com filhos na equipe de liderança de operações. Então eu não tinha também uma referência para eu olhar e saber que dava certo. Então, nesse aspecto, não foi planejado, mas foi bom porque acho que abriu outras portas e me fez crescer como pessoa. A maternidade me trouxe outras habilidades, mais foco, mais resiliência. Uma motivação diferente para trabalhar e me desenvolver.
P&F: Você acha que ter filho te transformou no lado profissional?
MA: Sem dúvidas. Eu acho que muda um pouco aquilo que você tem como conceito de sucesso. E muda a motivação que você tem para trabalha e querer mais. Acho que aquilo que você busca se torna mais completo, maior. Então nesse aspecto acho que foi muito bom. Olhando para trás o primeiro filho veio no momento certo.
P&F: E a gente está falando de 11 anos atrás, né? Que são assuntos que quase não se falava. Claro que teve uma evolução gigantesca nas empresas, mas como você falou, você estava em um ambiente masculino. Do seu lado, você teve algum tipo de receio de chegar com essa notícia? E como as pessoas lidaram com ela?
MA: Para mim foi a primeira experiência incrível que eu tive na empresa. Eu fiquei muito receosa de como eu ia contar para meu chefe, e ele até chegou a achar que eu ia pedir demissão. Quando contei, ele me disse: “Essa é a melhor notícia que você pode ter na vida. Você vai ter um filho, é uma notícia para se comemorar”. E quando eu escutei isso dele, que era um homem solteiro, eu realmente pensei nisso como uma notícia pra se comemorar. Afinal, é uma criança, é uma vida nova que está chegando e está dentro de mim. A partir daí foi muito leve, muito mais fácil contar para as pessoas. Esse acolhimento que eu tive desse gestor, naquele momento, para mim foi muito importante. Me deu muita segurança.
P&F: E em algum momento você sentiu alguma resistência natural da sociedade?
MA: Acho que mais de fora do que de dentro da empresa. Mas não como uma resistência, muito mais como questionamentos de como eu iria dar conta. E às vezes as pessoas antecipam muito algumas perguntas que você não está preparada para responder e nem é para você responder naquele momento. Por exemplo: ‘vai por na creche? Vai deixar com babá? Seu marido vai ajudar?’. Acontece das pessoas te bombardearem com um monte de informação e você percebe que nem tinha parado pra pensar. Mas aprendi que precisamos ter calma, ir aos poucos. Eu ainda tinha uma gravidez inteira pela frente, uma licença-maternidade pra entender e ver como eu ia me organizar, até porque a área de operação é uma área nervosa, demanda energia, tempo.
P&: Quando sua licença-maternidade do primeiro filho acabou e você precisou voltar ao trabalho, você sentiu culpa em algum momento? Como você lidou com isso?
MA: Sim, eu senti culpa. Quando eu tive o Lucas, a licença estendida ainda não existia, eram apenas 4 meses. Então ele ainda era um bebê e em amamentação exclusiva. Ele era um bebê saudável, forte, mas que obviamente dependia muito – nesse primeiro ano, a dependência é da mãe, aos pouquinhos que ele vai reconhecendo outras pessoas, interagindo e tudo mais. Então eu senti a culpa, mas por outro lado eu sabia que ia ficar tudo bem. Eu sabia que eu precisava contar com uma rede de apoio, que aí foi mãe, sogra, vizinho…
P&F: E aí voltamos naquela parte: como você conseguiu resolver todas aquelas perguntas que faziam?
MA: Eu me organizei de uma forma que era muito cansativo, mas no primeiro mês foi importante. Todo dia na hora do almoço eu corria para minha casa, tirava leite, dava pro Lucas. Às vezes eu comia um sanduíche no carro para dar tempo de fazer as coisas. Mas ir um pouquinho durante o dia na minha casa, para ver se estava tudo bem, eu me sentia mais confortável. Então foi cansativo, mas foi muito importante para mim essa transição. E depois que você entra na rotina de trabalho, fica muito mais fácil se organizar, porque você já sabe o que precisa fazer aquele dia e se antecipa. Quando você não tem muita coisa para fazer, você pensa: ‘depois eu cuido da louça’. Mas quando você tem seus horários e rotina, você acaba pondo o filho também de alguma forma nesse planejamento. Exige da gente? Exige. É cansativo? É. Acabamos acordando um pouco mais cedo, dormindo um pouco mais tarde. Mas são fases rápidas.
P&F: E nessa fase, quem foi sua rede de apoio?
MA: Eu tive uma babá até o Lucas fazer 1 ano e meio. Aí ele foi para a escolinha. Com meus três filhos foi assim, e foi uma escolha minha deixá-los em casa. Eu sei que é um privilégio, nem todo mundo pode ter babá, mas minha mãe e minha sogra sempre foram muito disponíveis. Então eu tive essa sorte. E eu já tive ajuda de vizinha em alguma eventualidade também.
P&F: Você acha que dá para criar um filho sem uma rede de apoio?
MA: Eu acho mais difícil, mas dá. Meu marido sempre foi muito parceiro, sempre foi meu incentivador e ele é muito pé no chão. Então ele sempre foi bastante apoiador nesse sentido de como organizar, e ver o que era possível ou não.
P&F: E ele foi presente nas tarefas?
MA: Muito. Acho que a gente não tem exatamente uma divisão de tarefas, eu faço isso, ele aquilo. Mas se eu estou cansada, ele toma rédea. Se ele está acuado, cansado, eu tomo a rédea. A gente sempre soube conversar. E lógico, muda o casamento, tem conflito, tem muita conversa, muita organização. Mas é ir de coração aberto, sabe? Porque tem momentos tão cansativos, principalmente com bebê pequeno, que você está dormindo mal, e você acaba explodindo. Então, com o marido tem que tentar deixar isso de fora, abrir o coração e estar ali.
P&F: Tem gente que busca a felicidade do relacionamento no filho. Você acha que filho traz felicidade?
MA: Eu acho que filho traz felicidade, mas não é completa, tem o todo. É importante você ter a sua identidade. No meu caso, o meu marido tem uma importância significativa. E quem é mãe solo, ou que tem filho independente, tem que ter as pessoas próximas que apoiam também. Eu conheço vários casos. Às vezes é uma irmã, um vizinho, amigo ou amiga próxima. Mas é importante ter alguém com quem ela possa dividir as conversas, numa emergência, contar com essa pessoa. É importante ter alguém para fazer todas essas trocas.
P&F: Você falou que antigamente a Danone tinha uma licença de 4 meses. Hoje como funciona a licença-maternidade e paternidade?
MA: Hoje a gente tem a licença estendida, na minha segunda gravidez já tinha, que são 180 dias remunerados para mulher e pro pai são 20 dias – o que acho que é outra conquista que mudou bastante, a importância do pai nesse processo. Lá na empresa tem também a sala de amamentação, que pro retorno, nos dois primeiros eu não tive, no terceiro eu tive e fez toda a diferença. Hoje tem um ambiente super bem desenhado, equipado, que ajuda bastante. Temos também mentoria para as mulheres que estão retornando. E eu gosto muito de olhar para essa minha jornada combinada com a da Danone porque eu fui crescendo como mãe e a Danone também foi crescendo – não só ela, mas as empresas em geral. Foram entendendo melhor a importância das mães na modernização.
Outro ponto que eu tive sorte quando eu tive o Lucas foi que logo que eu voltei tive uma viagem planejada para a equipe toda e eu pude levar ele e minha mãe junto. Na época eu estava amamentando exclusivo e meu chefe falou que, se eu quisesse, gostaria que eu fosse. Hoje isso virou política na Danone. Então as mães que têm filhos de até 1 ano e 11 meses, se quiserem podem levar o filho com um acompanhante nas viagens de negócio.
P&F: Amei! E é uma questão de oportunidade, né? Porque se você não pudesse fazer isso e se sentisse culpada, desistisse da viagem, imagina quantas oportunidades iria perder!
MA: Muito! E isso foi incrível para mim. Eu nunca imaginei que a empresa iria tomar essa iniciativa e hoje virou política. Então que bom que todas as mães aqui na Danone podem fazer isso.
P&F: Faz quanto tempo essa política?
MA: Faz mais ou menos um ano que virou política mesmo. E quando fui, foi muito legal, meu filho acabou virando mascote, e isso é muito bacana.
P&F: Ter a possibilidade de licença-maternidade ou paternidade é muito legal, mas existem casos em que a pessoa tem medo de tirar esse tempo pelo medo de perder o emprego depois. Como você enxerga isso? Existe esse sentimento? Você chegou a ter?
MA: Eu acho que existe o medo, mas eu nunca tive. Me senti bastante segura na minha saída e nos meus retornos. E dois dos três filhos, eu retornei com gestores diferentes, em posições diferentes. Um deles, inclusive, eu fiquei sabendo um mês antes de voltar. O ponto para mim é: tem algumas alavancas aí. Um, é o gestor e o RH estarem muito próximos dessa gestante e terem essas conversas francas e dar espaço e respeitar o que cada uma quer, porque às vezes o gestor quer decidir se você tem que acelerar ou desacelerar a carreira, mas isso não cabe a ele, cabe à mãe. E dois, que acho que a empresa tem que estar aberta pelo menos para ouvir o que essa mulher quer quando voltar, se quer a mesma coisa, algo diferente, algo mais acelerado ou não. Acho que precisa desse espaço da pessoa poder dizer.
P&F: Apesar de ter muita abertura para falar com os gestores, às vezes rola aquele medo?
MA: Claro, e é natural. Às vezes a gente também tem medo de falar não. Isso é uma coisa que acho que a maternidade me fez aprender. Eu não era de falar muito não, hoje já consigo falar ‘isso dá’, e ‘isso não dá’. Mas assim, acho que as mães precisam começar a perceber que algumas empresas podem aceitar aquilo que elas querem – e isso é uma decisão muito individual, e a gente tem que respeitar, não podemos julgar. Não podemos por dentro de um quadradinho: quero assim, assado, vou ter filha nesse ou naquele momento. Cada um sabe a sua realidade. Eu acho que é muito isso. Isso é empatia. Nem sempre eu consigo estar no lugar do outro, não posso tomar decisão para ele. Acho que a partir do momento que você começa a ter exemplos dentro da empresa também, como as mulheres saíram, como elas retornaram, isso vai dando mais segurança para os funcionários.
A gente teve uma pesquisa recente na Danone, pegamos mães que têm filhos com até 5 anos. Eu, por exemplo, fui entrevistada. Mais de 80% delas falaram que o acolhimento do gestor fez uma grande diferença. Então a gente tem que preparar os gestores. Porque às vezes não é por maldade que o gestor fala algo ou prepara alguma coisa, é por não conhecer.
P&F: Falta informação, né? Mas estamos numa era muito avançada e se o gestor não souber de algo, pode pesquisar e se inteirar sobre o assunto.
MA: Sem dúvidas. Na Danone, com todas essas mudanças em relação às políticas de maternidade e paternidade, tem uma coisa que não mudou: um valor que chama humanismo. E essa é cultura, não é um valor de parede, a gente vive ele. Eu tive a experiência nas minhas três gestações, nos meus três retornos, de ter pessoas muito diferentes ao meu redor, mas todos muito humanos. Daquela coisa de um funcionário chegar de um café e trazer uma maçã para mim, falar “para aí, vai tomar uma água”. O seu gestor conversar com você. Então isso, de fato, acho que é um super privilégio. Mas o humanismo que a gente tem no trato com as pessoas e principalmente com as mulheres gestantes, é incrível.
P&F: Se você pudesse deixar um recado para mulheres que enfrentam dificuldades maiores ou diferentes das que você enfrentou, o que você falaria?
MA: Procurem ter pessoas ao seu redor que vão te inspirar. Isso para tudo, não só para a maternidade. Então, no caso da maternidade, procure pessoas que você admire como mãe, profissional, porque elas podem te ajudar. Às vezes você está ali no trabalho, com algumas questões.. E obviamente que eu falo aqui como a Mariana que já está há 11 anos equilibrando essa vida, que com certeza não é a mesma do começo. Parece tudo mais simples agora. E vai ficando mais simples. A gente vai se desenvolvendo. Mas para mim isso vale para tudo. Se você quer se aprofundar em um assunto, procure uma pessoa que você admira, se referência nesse assunto, e que possa ser um parceiro. Se não for o seu gestor ou seu colega, se não tiver essa abertura, procure quem. Pode ser alguém de fora da empresa, um amigo, um parente, alguém que te puxe para cima. Em momentos de dúvidas e incertezas precisamos nos cercar de pessoas otimistas. Que nos ajudem a ver o que a gente já sabe. Às vezes nossos olhos já estão enviesados – você está enxergando algo que não existe. Acho que isso é uma questão feminina. A gente tem um pouco mais de baixa autoestima que os homens, em geral. E a gente precisa fortalecer isso. Acho que a maternidade, em certo ponto, ajuda a fortalecer isso.
P&F: Família é tudo para você?
MA: Eu acho que família é um núcleo, é o eixo central da vida. Nela é baseada nossa motivação para crescer, aprender, trabalhar. Por causa da família eu acordo todo dia, agradeço, vou trabalhar, para fazer esse núcleo forte. O resto é consequência.