A perda de um bebê durante a gravidez, no parto ou logo após o nascimento é uma dor difícil de descrever. Até pouco tempo atrás, esse tipo de luto era vivido no silêncio, sem apoio e, muitas vezes, sem o reconhecimento de que aquela dor era legítima. Mas essa realidade começou a mudar com a sanção da Lei 15.139, que cria a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental.
Essa legislação representa um avanço enorme no Brasil. Ela estabelece, por lei, o direito de mães e pais receberem apoio psicológico, social e estrutural após a perda de um bebê. A ideia é garantir acolhimento verdadeiro, feito com empatia e respeito, desde o momento da perda até o acompanhamento posterior.
O luto finalmente tem nome e voz
Para a psicóloga perinatal Natália Aguilar, que também coordena a primeira pós-graduação em Luto Perinatal no país, a lei é um divisor de águas. “Essa lei mostra que o luto perinatal é legítimo e merece cuidado, escuta e acolhimento”, afirma. Durante muito tempo, segundo ela, a dor da perda de um filho foi silenciada ou minimizada, tanto pela sociedade quanto pelo sistema de saúde.
O advogado Stefano Ribeiro Ferri, especialista em Direito da Saúde, destaca que essa é uma mudança histórica. Ele explica que o texto rompe com a negligência em torno dessas perdas, reconhecendo o sofrimento das famílias de forma institucional. Ou seja, não é mais apenas uma questão pessoal, mas sim um direito que precisa ser respeitado.
O que a nova política prevê para as famílias?
A nova política pública chega com um pacote de medidas práticas para apoiar quem enfrenta o luto gestacional, perinatal ou neonatal. Veja algumas das mudanças previstas:
- Apoio psicológico especializado em maternidades e postos de saúde
- Capacitação de profissionais da saúde para lidar com o luto
- Acompanhamento contínuo da saúde mental das famílias
- Ambientes reservados para atender os enlutados com privacidade
- Direito à presença de um acompanhante durante o parto de natimorto
- Informações claras sobre a causa da perda, com direito a exames
Essas medidas ajudam a garantir um tratamento respeitoso e humano em um dos momentos mais difíceis da vida de uma família.
Um nome que representa amor e memória
Um dos pontos mais tocantes da nova lei é a possibilidade de registrar oficialmente o nome do bebê que faleceu antes ou logo após o nascimento. Agora, os pais podem solicitar uma declaração de nascimento com nome, local do parto, impressões digitais e plantares, mesmo que a criança não tenha respirado fora do útero.
A advogada Aline Avelar, especialista em Direito das Famílias, explica que essa mudança na Lei nº 6.015/1973 é um marco. “A certidão não é apenas um papel, mas um gesto de validação do amor e do luto”, afirma. Ela reforça que dar nome ao bebê é um direito simbólico que fortalece os laços afetivos e humaniza o processo de despedida.

Tornando o luto parte da saúde pública
A nova lei também reconhece o luto gestacional e neonatal como uma questão de saúde pública. Ferri aponta que ela cobre lacunas importantes, como a falta de protocolos específicos e o suporte psicológico estruturado. Além disso, ela transforma uma dor invisível em pauta oficial, exigindo uma resposta sensível do sistema público.
“É uma vitória das famílias e dos profissionais que atuam nessa área”, resume Natália Aguilar. Para ela, mais do que uma política pública, a nova lei representa dignidade e reparação para muitas histórias interrompidas.
A legislação também institui o Outubro como Mês de Conscientização sobre o Luto Gestacional, Neonatal e Infantil. A ideia é ampliar o debate, promover empatia e, claro, informar a sociedade sobre a importância do acolhimento às famílias.
Ainda há desafios pela frente
Apesar de ser um marco importante, a aplicação da lei ainda encontra barreiras. Stefano Ribeiro Ferri destaca que a execução depende da articulação entre União, Estados e Municípios. Em muitos lugares, ainda faltam equipes preparadas, estrutura básica e verba para transformar o que está no papel em realidade.
A ausência de regulamentações, a pouca capacitação e a falta de visibilidade institucional desse tipo de luto ainda são entraves. Será necessário esforço político, planejamento técnico e sensibilidade para garantir que a lei chegue a quem mais precisa.
Um futuro mais humano começa agora
Como conclui Aline Avelar, “É um passo essencial para que o Direito se aproxime da realidade das famílias, reconhecendo o afeto como dimensão legítima da experiência jurídica e social”. O projeto, que nasceu como o PL 1.640/2022, hoje é uma lei que simboliza um abraço legal em todas as famílias que vivem o luto pela perda de um filho.
A dor continua sendo imensa, mas agora ela tem nome, reconhecimento e, acima de tudo, acolhimento garantido por lei.