Publicado em 08/08/2024, às 18h13 por Sem super. Só pai: seu filho não precisa de um herói dentro de casa, mas de você
Você com certeza já ouviu essa frase: “Ele é um paizão”. Mas afinal, o que estaria dentro desse termo? Antes de qualquer coisa é fundamental dizer o óbvio: pai não ajuda, pai faz a sua parte. Então, não, um homem não se torna um paizão apenas por realizar as tarefas de cuidado com o filho ou por dividi-las igualmente com a mãe ou até por ter a consciência do papel de pai. Isso só faz dele um pai.
Mas diferente do que muitos imaginam ou temem quando a paternidade chega, ser um paizão também não tem relação com questões financeiras. É claro que ter boas condições e esse respaldo econômico na criação dos filhos faz diferença, mas não é o mais importante, ou melhor dizendo, não é o que te tornará pai de fato e trará todos os benefícios que esse papel agrega na vida de um homem.
Marcos Piangers, pai de Anita e Aurora, jornalista, colunista da Pais&Filhos e referência quando o assunto é paternidade, afirma: “O que a gente chama de ser bem-sucedido é ter uma visão positiva de si mesmo. É olhar para si mesmo e dizer ‘eu sei que eu posso ser uma boa pessoa. Eu sou um agente transformador. Eu tenho capacidade de realização’; uma visão positiva dos outros. Eu acredito que sou mais for te quando estou rodeado de pessoas que também são boas e que têm uma visão positiva do futuro. É sobre uma visão otimista da vida e uma visão propositiva da vida".
Ser pai é uma grande oportunidade na vida de um homem, é assim que o jornalista enxerga a notícia da paternidade. “A chegada de uma criança é a chave de uma prisão que o homem pode abrir”, aconselha, principalmente para sair dessa visão machista e desconexa que se cobra e espera socialmente de um homem.
Beto Bigatti, publicitário, escritor e colunista da Pais&Filhos, concorda e exemplifica usando a própria experiência como pai de Gianluca e Stefano: “Ser pai foi uma oportunidade mágica para me conhecer mais profundamente! O autoconhecimento foi fundamental na minha paternidade e acabou me permitindo ser um pai melhor e até uma pessoa melhor”.
E esse sentimento de Piangers e Beto não é apenas uma sensação, é comprovado cientificamente. Estudos recentes apontaram que o cérebro do homem muda quando ele se torna pai, incluindo o aumento da atividade cerebral (em áreas destinadas ao processamento emocional e social), aumento dos níveis de ocitocina (conhecido como hormônio do amor e associado ao vínculo) e diminuição da atividade de zonas relacionadas ao autocontrole e egoísmo.
O psicanalista Christian Dunker, pai de Nathalia e Mathias, explica que as crianças não precisam de um pai super-herói, mas sim de um ser humano: “As crianças precisam de um pai que entenda que não é o dono da lei que está transmitindo. O pai é tão mais pai quanto mais ele se entende como representante de alguém que passa diante de uma lei que ele também recebeu de outro, e assim por diante. Porque essa visão de possuidor da lei é fonte de muita violência e prerrogativas para agressividade”.
Nesse sentido, Piangers defende que o homem também tem instinto paterno, mas para vivenciá-lo, precisa se doar e entregar, para criar esse vínculo que não é natural. O jornalista provoca: “Me perguntam: ‘Como você consegue conversar com a sua filha de 17 anos?’. Eu sei conversar com minha filha de 17 anos porque eu converso com minha filha há 17 anos”. O pai de Anita e Aurora ainda afirma: “Um homem é mais forte quando desenvolve seus instintos e as conexões com o próprio filho”. Algo que Beto complementa: “O papel do pai é vital, não vejo famílias emocionalmente saudáveis sem a participação direta do pai”.
O psicanalista defende: “A função do pai é principalmente introduzir uma lei diferente da lei materna. Seja uma mãe e um pai, dois pais ou duas mães, o importante é que não aconteça uma monovalência ou monocultura. Assim, a função do pai passa por um convite à criança a sair da família, convidála para se mover para outros universos. É uma função de humanização, socialização, porque de certa maneira, ele representa a estrangeiridade enquanto a mãe representa uma familiaridade".
Passado não dita futuro. Não é porque você não teve uma boa referência como pai que está condenado a ser um pai ruim. Enquanto Piangers é filho de mãe solo, Beto conta: “A regra é simples, mas nem sempre considerada: amor gera amor. E foi este o ingrediente que faltou ao meu pai porque vivemos em um planeta onde homens acreditam que assumir seus filhos é uma escolha”.
Hoje, como pai de dois meninos, ele se desconstruiu para assumir o papel que gostaria de ter tido enquanto filho: “O que nos salva é a possibilidade de amar o próximo. Ver esse novo ser, amar e a partir daí criar uma nova história”. Marcos Piangers acrescenta: “O amor nos deixa mais fortes e mais unidos, ele constrange e ele muda tudo”. Esse é o verdadeiro segredo da paternidade, o ingrediente que faz a diferença: amor. Ser pai exige dedicação, entrega, paciência, comprometimento, afeto, cuidado, presença.
O especialista Dunker pontua: “Os homens precisam aprender algumas coisas para se tornarem pais. A primeira é que isso não é natural ou espontâneo. E não basta só consultar manuais ou se informar a respeito, mas é um processo de constituição e de autorização de si mesmo como pai. É preciso entender que a paternidade também não aparece toda de uma vez, mas a gente vai aprendendo a ser pai com aquela criança, aquela mãe, aquele ambiente, escola, com todo mundo que compõe aquela aldeia necessária para criar uma criança”.
Ele complementa: “Você deve estar preparado para a contradição em relação a nossa expectativa diante dos filhos: nós queremos que eles obedeçam, sejam disciplinados, nos respeitem, mas queremos também o oposto; que sejam autônomos, capazes de pensar diferente, de trazer novidades, de nos confrontar, ou seja, mostrar que nós estamos errados também. E isso é muito difícil. Mas a arte de ser pai é justamente essa, aprender a cair”.
Por fim, Beto revela o que o faz sentir um superpai, realmente: “Quando os guris falam bem de mim para seus amigos. Entendo que estou no caminho certo”, ao que Piangers afirma: “Um pai presente importa para a esposa, importa para a criança e importa para que ele mesmo seja um ser humano melhor".
Ser um paizão não é ser um super-herói capaz de dar conta de tudo ou oferecer todo o suporte financeiro à sua família ou até mesmo não demonstrar fraquezas. Muito pelo contrário. Ser um paizão é ser o melhor pai possível, dentro da sua realidade, oferecendo aquilo que seu filho realmente precisa: uma paternidade ativa.
“A paternidade ativa é uma experiência benfazeja. Os homens estão se civilizando muito e aprendendo muito sobre as mulheres, os cuidados, a distribuição equitativa da vida doméstica, como respeitar as mulheres dentro e fora de casa. Isso é muito legal, porque cria uma diversidade e uma qualificação de afetos que vai permitir que esse homem, que foi criado num certo registro histórico e antropológico, muitas vezes ligado à virilidade e machismo, se reconcilie com a sua própria masculinidade”, diz Dunker.
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