Se você está grávida ou já passou por essa fase, provavelmente já sentiu aquela vontade incontrolável de comer algo bem específico, e muitas vezes inusitado. Pode ser milho cozido no café da manhã, sorvete no meio da madrugada ou aquele pacote de salgadinho que você nunca ligou muito, mas que agora parece ser a melhor coisa do universo. Mas, afinal, por que isso acontece?
Segundo o ginecologista e obstetra Dr. Nélio Veiga Junior, Mestre e Doutor em Tocoginecologia pela FCM/UNICAMP, há uma explicação científica por trás desses desejos alimentares tão intensos durante a gestação. E ela envolve um verdadeiro baile hormonal.
Hormônios em festa e apetite nas alturas
Durante a gravidez, o corpo da mulher passa por diversas mudanças hormonais, e algumas delas mexem diretamente com o apetite. “Nesse período, existem flutuações hormonais significativas, como o aumento dos níveis de leptina e grelina, que influenciam diretamente o apetite e as preferências alimentares”, explica o especialista.
Essas alterações hormonais vêm acompanhadas de uma sensibilidade emocional maior — sim, aquela montanha-russa de sentimentos tem nome e explicação. “Essas mudanças, associadas à maior sensibilidade emocional (aumento das oscilações de humor, irritabilidade e sensibilidade emocional), tornam a gravidez um momento de mudança de comportamentos da alimentação para alimentos de conforto, ou seja, aumenta o desejo por alimentos reconfortantes”, completa.
Crocância em alta: a textura que conquista
Pode parecer estranho, mas tem lógica: a textura dos alimentos também muda de importância durante a gestação. E o grande destaque vai para os alimentos crocantes. “É comum a redução do desejo por alimentos ‘macios’, ‘cremosos’, ‘derretendo’ e ‘grossos’ em favor da textura ‘crocante’ durante a gravidez. ‘Crocante’ é um termo usado com frequência para descrever alimentos desejados durante o primeiro trimestre”, afirma Dr. Nélio.
Segundo ele, isso pode estar relacionado às mudanças na percepção sensorial. O olfato e o paladar ficam mais apurados – ou, pelo menos, diferentes. “Mudanças na preferência de textura alimentar podem refletir uma maior importância da textura na escolha alimentar devido a mudanças no olfato e no paladar durante a gravidez. Há estudos que mostram aumentos significativos na percepção da intensidade do odor durante a gravidez, especialmente entre o meio e o final da gestação, embora não tenha havido diferenças significativas no paladar”, complementa.

Desejos calóricos e regulação emocional
Além da crocância, outro grupo de alimentos reina absoluto entre os desejos: os ricos em energia, como doces e carboidratos. E, mais uma vez, os hormônios entram em cena. “Vários fatores contribuem para o aumento do consumo de energia durante a gestação, incluindo o aumento da demanda energética e alterações hormonais, particularmente alterações na leptina e na grelina, que contribuem para a regulação do apetite”, detalha o especialista.
O lado emocional também tem sua parcela de responsabilidade. “Assim como as alterações emocionais durante a gestação e o aumento do estresse também podem contribuir para o aumento do consumo de alimentos ricos em energia como forma de regulação emocional”, afirma.
Ou seja, muitas vezes o desejo por aquele doce extra é, na verdade, uma resposta ao estresse ou à tentativa de se sentir melhor em meio a tantas transformações.
Fique de olho e fale com o médico
Tudo isso é normal até certo ponto, mas vale atenção. O especialista alerta que, se os desejos forem muito fora do comum ou exagerados em quantidade, é importante conversar com o médico. “Esse tipo de mudança no comportamento alimentar durante a gravidez pode ter implicações para a saúde materna, pois pode se associar a um risco aumentado de ganho excessivo de peso e alguns resultados adversos associados para o nascimento, a saúde materna e o desenvolvimento infantil”, explica Dr. Nélio.
E conclui: “Embora o estresse elevado, especialmente no primeiro trimestre, possa levar ao aumento do consumo de alimentos altamente palatáveis, essa relação entre estresse e dieta pode ser mediada por estratégias de regulação emocional, ou seja, a evolução das necessidades nutricionais durante a gravidez, mostra a importância de compreender essas diferenças para um suporte personalizado à saúde materna”.
Em resumo: está tudo bem querer comer aquela batata frita crocante de vez em quando. O importante é se conhecer, conversar com o médico e lembrar que o corpo está trabalhando dobrado, e que a mente também merece cuidado e carinho.