Desde que me tornei mãe, comecei a olhar para o mundo de um jeito diferente. A maternidade abriu um portal novo dentro de mim, mais sensível, mais atento e, ao mesmo tempo, mais questionador. Passei a pensar com mais frequência sobre as escolhas que fazemos, os valores que transmitimos e, principalmente, sobre o que estamos deixando como legado para as próximas gerações.
Foi nesse caminho de descobertas e reflexões que nasceu Flint, o pássaro que tinha muitas coisas, meu novo livro infantil. A história de Flint surgiu como uma metáfora delicada para falar sobre temas que me tocam profundamente: o apego, o vazio disfarçado de acúmulo, a solidão mesmo em meio a “tesouros”, e a beleza de abrir espaço para o que realmente importa.
Flint é um passarinho que coleciona coisas. Ele gosta de juntar objetos brilhantes, bonitos, curiosos — tudo o que encontra pelo caminho e que pode alimentar a sensação de que seu ninho está “cheio”. Mas, mesmo com tantas coisas ao seu redor, Flint se sente só. Os outros pássaros param na sua fonte de madrepérola, olham ao redor e logo seguem viagem. Todos estão em busca da tal Grande Árvore, um lugar que ele ainda não conhece.
E eu te pergunto: quantas vezes a gente também se apega a coisas que parecem preciosas, mas que, no fundo, apenas nos mantêm presos no mesmo lugar?
Coisas demais, espaço de menos. Quando escrevi essa história, pensei nas crianças, claro, mas pensei também nos adultos — em nós, que tantas vezes nos deixamos prender por expectativas, acúmulos, comparações e desejos que nem sempre são realmente nossos. Vivemos num tempo em que o “ter” ainda fala muito alto. E, às vezes, sem perceber, acabamos reforçando essa lógica com os nossos filhos, quando os distraímos com presentes em vez de presença, quando enchemos o tempo deles de atividades e compromissos sem espaço para o tédio criativo, sem tempo para o brincar livre.

Flint é um personagem que me ensinou muito. Ele carrega uma mochila cheia de objetos, mas não consegue alçar voo. A cada nova tentativa de voar rumo à alegria, algo o puxa para baixo. E só quando ele decide deixar para trás o que não precisa — pedrinhas, barbantes, bugigangas — é que percebe como é leve o corpo que se livra do peso desnecessário.
É sobre soltar. É sobre abrir espaço. Essa foi uma das grandes mensagens que quis transmitir com esse livro. Às vezes, para chegar aonde sonhamos, precisamos abrir mão daquilo que não nos serve mais. Pode ser uma ideia antiga, uma cobrança que não faz mais sentido, ou até uma rotina que já não nos nutre. Com as crianças, isso também é verdade. À medida que crescem, precisam de espaço — dentro e fora de casa — para descobrirem o próprio voo. E nós, como adultos, podemos ajuda-los muito mais quando acolhemos e escutamos, do que quando tentamos preencher cada vazio com mais alguma coisa.
Uma das minhas intenções com essa obra foi também inspirar famílias a refletirem sobre o valor das experiências compartilhadas. A infância é um tempo mágico e fugaz, e o que permanece mesmo, lá na frente, são os momentos vividos juntos: a leitura antes de dormir, a gargalhada no banho de chuva, a conversa no caminho da escola. São essas memórias que constroem o afeto.
Eu acredito no poder dos livros como portais para essas vivências. Quando um adulto lê uma história para uma criança, não está apenas transmitindo uma narrativa, está oferecendo presença, vínculo, atenção plena. É um tempo de qualidade que nutre o coração de quem ouve e de quem lê.
Flint, o pássaro que tinha muitas coisas foi publicado pela Ciranda na Escola, selo do Grupo Ciranda Cultural, que há mais de 30 anos acredita no poder transformador da leitura. Ter essa história publicada por uma editora que valoriza tanto o desenvolvimento infantil e o universo das infâncias foi um presente para mim. Esse livro é um convite: para crianças e adultos repensarem o que carregam, o que realmente precisam, e o que estão dispostos a deixar para trás em nome de um voo mais leve e verdadeiro.
Escrevi cada palavra com carinho, pensando na criança que existe dentro de cada um de nós. A criança que sonha, que observa o mundo com curiosidade e que, muitas vezes, só precisa que alguém diga: “Você pode soltar. Você pode voar.”
Se você tem uma criança por perto, seja filho, sobrinho, aluno ou até o seu próprio eu pequeno, convido você a conhecer Flint e voar com ele rumo à Grande Árvore. Pode ser que, no meio do caminho, você também descubra alguma coisa muito valiosa. Algo que não cabe na mochila, mas que faz morada no coração.










