Evidência de que meu menino está completando 12 anos: sua bicicleta cresceu e, com ela, seus horizontes: os dias ganharam mais sol, as tardes se encheram de amigos. O domingo, então, ficou bem maior: se antes ele ia até a praça ao lado de casa, agora chega à avenida larga onde o trânsito de carros fecha até as duas da tarde.
Ali, onde alguns correm, outros se aventuram no skate e muitos falam do esporte radical que tem sido a vida, Francisco vai e volta pedalando várias vezes, deixando para trás a mãe que está sempre tentando recomeçar – “um passo depois do outro” é um belo provérbio, mas não vence a magia da roda.
Humilhada pela caminhada sozinha em pleno sol do meio-dia, decido comprar minha bicicleta. Coloco a magrela no porta-malas do carro e está firmado o pacto. O apartamento é pequeno? Tudo bem, ela dorme ao lado da minha cama – entre casar e comprar uma bicicleta, fico com a segunda opção.
O próximo domingo chega voando. O despertador apita às nove, peço mais meia hora, a campainha toca, a vizinha convidando Francisco pra pedalar, o jeito é acordar, pronto, tô de pé (o compromisso com a academia, a gente até enrola; o trato com o filho, não). Vamos todos, vamos lá. Sabor de reestreia, frio na barriga, brilho nos olhos, ops, segura no poste, será que ainda me lembro?
Dez minutos no asfalto e já não tenho mais 48 anos. Não esses quase 50 que me tiram o ânimo e me escondem sob um teto em pleno céu azul. Não essa idade que baixa meu nível de Vitamina D. O sol na cabeça, o mundo sob meus pés, o vento no rosto, vou e volto, pedalo, não pedalo, fico de pé na bicicleta, desvio dos praticantes do cooper de fim de semana e como a vida pode ficar boa assim tão rápido?
Francisco por perto, ouço sua voz, vultos de seu cabelo voando, a luz do seu sorriso. Paramos pra água de coco. Pernas bambas, dor na virilha como quem andou a cavalo por horas, passo a mão nos cabelos molhados de suor, encontro em meu rosto um sorriso escondido que não fecha. Estou viva. Meu Deus, sou eu mesma, nem tinha me reconhecido, há quanto tempo eu não me via.
Não sou mais aquela velhinha de mim. Não mudei nada, sou eu, a neta da avó mais jovem do mundo, aquela que catou as folhas do jardim até o último dia, com a lucidez das mãos sujas de terra. Não sei jardinar como ela, mas herdei o frescor dos brotos.
E o Oscar? Vai para o Francisco mais uma vez. Em nome dele, empurrada por ele, compromisso com ele. Foi ele quem me lembrou que sou criança.
Leia também:
Cris Guerra conta como lidou com a morte do marido quando estava prestes a ter o filho
Cris Guerra abre o coração: “Eu aprendi a fazer as coisas sozinha, saber estar feliz assim”
Cris Guerra desabafa: “O mercado de trabalho não aprendeu a ser mãe”