O parto do Rafael estava marcado para o dia 8 de janeiro de 2011, véspera do aniversário da Renata, minha mulher. No dia 27 de dezembro havíamos marcado o penúltimo ultrassom. Uma velha amiga médica, dos tempos de cursinho pré-vestibular, iria acompanhar o exame. Todo o pré-natal foi feito por ela.
Depois do exame, fomos todos comer uma pizza. Foi num momento descontraído do jantar que minha esposa passou a sentir leves contrações. Leves, porém inéditas até ali na gestação. Juliana, nossa amiga, passou a controlar o ritmo das contrações com seu relógio. Fiquei um pouco aflito ao ver a preocupação dela e o desconforto da Renata. Decidimos, então, ir para a maternidade. Àquela altura, já tínhamos preparado toda a parafernália necessária: a mala do bebê e a mala da mamãe. Passei em casa, peguei tudo, e seguimos para o hospital. Eu, Renata e Juliana.
Ao chegarmos, verificamos novamente o ritmo das contrações. Elas indicavam que o parto estava próximo. Ficavam cada vez mais fortes e apareciam num intervalo de tempo cada vez menor. De repente, minha esposa virou para a Juliana e disse: “Ai, Ju, não sei se estou muito suada ou se fiz xixi”. Nenhuma das opções. Pronto, a bolsa tinha rompido. Desesperado e meio sem pensar, perguntei: “E agora?”. Minha antiga amiga me disse, com toda a calma do mundo: “E agora, seu filho vai nascer”.
Instintivamente, abracei-a bem forte e falei um monte de coisas sem sentido e sem conexão. Ela pediu licença e saiu, acho que foi pra chorar. De fato, não deve ser todo dia que você acompanha o parto de um amigo seu, alguém que te conhece desde quando você ainda sonhava em estudar medicina.
Daí em diante, foi só correria. Assim que o obstetra chegou, levaram minha esposa numa maca para o centro cirúrgico e eu fui para uma sala onde deveria aguardar até o momento do parto. Antes disso, me deram uma roupa específica para poder entrar no centro cirúrgico, além da guia de autorização. Roupa trocada, escolhi uma poltrona, liguei a televisão e fiquei esperando. Me chamaram antes que eu pudesse mudar de canal.
Então começou outra correria: onde diabos eu havia enfiado a autorização de entrada no centro cirúrgico? A enfermeira e eu perdemos tanto tempo procurando que, por fim, autorizaram minha entrada na sala de parto, mesmo sem a autorização. Se demorasse mais um pouco, seria tudo feito sem a minha presença. Entrei na sala ouvindo reclamações do obstetra: “Mas que demora, onde você estava? Já estava começando o parto sem você”. Sentei do lado da Renata e percebi que a cirurgia estava bem adiantada. Já havia sido combinado que o parto seria uma cesárea. No exato instante em que me instalei pude ver o bracinho roxo do Rafael pela primeira vez. Mais alguns instantes e ele todo já estava aqui fora. O momento em que cortaram o cordão umbilical e ele deu o primeiro choro foi inesquecível. Rapidamente, limparam-no e o colocaram em meus braços. Ficamos ali, os três juntos pela primeira vez: mãe, filho e pai.
Passei a madrugada insone e desajeitado numa poltrona, enquanto a Renata se recuperava na cama. De tempos em tempos nos traziam o Rafael. Engraçado que estes primeiros momentos com ele, passávamos absolutamente imóveis, apenas curtindo a sua presença. Pela manhã fomos devidamente transferidos para o quarto e consegui dormir um pouco. Com a chegada dos avós, pude sair pra espairecer e esticar as pernas. Quem estivesse ali me seguindo ficaria embasbacado pela falta de rumo com que caminhei. A adrenalina e a excitação foram difíceis de expulsar.
Embora o momento do parto seja muito marcante, não é o momento decisivo que te torna pai: este processo começa na decisão de ter um filho, percorre toda a gravidez e nunca mais acaba. Sutil e sorrateiramente, essas pessoinhas vão influenciando nossas decisões cotidianas. Por elas abrimos mão de muitas coisas e sem nenhum sentimento de que estamos fazendo algum tipo de sacrifício. Com elas, vamos nos transformando devagar e lentamente.