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Foi na beira de uma piscina, no bairro de Hampstead aqui em Londres, onde lembro da primeira vez em que senti muitas, muitas borboletas no meu estômago. Era por volta do ano de 1990. Eu estava em um estádio aquático, de maiô roxo, minha cor preferida, pronta para mergulhar ao som dos gritos da plateia, quando congelei. Não queria mais participar daquela competição. Queria parar. Acabar com aquilo.
Tremia e não era de frio. Me sentia enjoada e não era de doença. Era de uma competição de natação pela escola. Nem acho que nadasse tão bem, mas eu havia sido escolhida para representar a escola em duas modalidades e senti o peso da responsabilidade justamente ali, à beira da água, com os dedos dos pés encaixados na borda, como diz a regra, prestes a mergulhar.
Lembro que eu chorei igual a criança que eu, de fato, era, e pedi pela minha mãe, que estava na arquibancada. Achava que isso seria suficiente para a professora dizer que “tudo bem”, que eu não precisaria nadar e me levaria até a minha mãe. Mas não. Ela disse que eu teria que competir. Que eu havia treinado e estava pronta. Lembro dela me puxando para conversar enquanto eu olhava para o chão. Foi a primeira vez que o “eu quero a minha mãe” não resolveu e isso me pegou de surpresa. Não vi outra saída que não fosse a de respirar fundo, focar no espelho d’água e mergulhar, enfrentando ninguém a não ser eu mesma. Meu primeiro medão.
Até hoje odeio competições. Participo, mas odeio. E se tem um fantasma que ronda os imigrantes – em situação privilegiada ou não – é o medo. Nosso amigão. Aprendemos a lidar com ele desde que começamos a pensar na remota possibilidade de morar fora do Brasil. É o medo de deixar gente para trás, do provável perrengue que virá pela frente, do frio, da nova língua, do novo trabalho, do preço do aluguel, de passar fome, de passar saudade…
Poderia ficar linhas e linhas enumerando exemplos. Mas o medo guia para o bem e para o mal. Dá para escolher. Aquela frase que diz: “Se der medo, vai com medo mesmo” precisa virar mantra. Às vezes, a gente nem percebe que ele chegou. O medo se manifesta de diversas formas: taquicardia, choro, repulsa, mãos trêmulas, negação. Em mim ele chega junto com as borboletas no meu estômago. Aprendi essa expressão aqui mesmo, em Londres, lá na época da competição de natação quando eu morei aqui por alguns anos.
Hoje, nesta nova rodada, digamos assim, como imigrante na terra da rainha em versão adulta e mãe três crianças, consigo pensar em inúmeros momentos de medo genuíno. De borboletas insistentes. Um dia em especial me marcou. Foi o da despedida do meu marido, quando ele embarcou sozinho de São Paulo, onde morávamos, para Londres para iniciar as buscas pela nossa nova casa. Nosso novo lar.
Foi naquele momento em que o nosso plano virou execução. Uma ida sem volta. Não literal, claro, mas no momento em que ele cruzou o portão de embarque e desapareceu, a bola estava comigo. Meu Deus que medo!
Eu e duas crianças que choravam copiosamente e eu, ali, arrasada e cheia de borboletas, não pude me jogar no chão junto para chorar com eles. A partir daquele dia teríamos mesmo que seguir adiante. Com ou sem medo, já não dava para parar e pedir pela minha mãe. O medo me fortaleceu e me deu um coice para frente. Foi um dos momentos mais difíceis que me lembro. O bom do medo é que ele vem e vai embora. Ele passa. Ele se transforma, deixa lições. Ele treina nossa resiliência.