Tem cara de apelido, mas é sobrenome. A herança de família assinada no canto de suas obras combina perfeitamente com o traçado da ilustradora Vivian Suppa, mesmo que ela seja “anti-família”, como brinca. Sua árvore genealógica é cheia de artistas, começando pela mãe e terminando no filho, grafiteiro. Com mais de 120 livros publicados, 90% para o público infantil, a ilustradora contou pra gente um pouco sobre sua vida.
Por Mariana Setubal, filha de Cidinha e Paulo
Como começou essa história de desenhar?
A minha mãe é pintora e dava aula pra criança. A gente tinha uma casa bem grande, com um ateliê enorme, e as crianças iam passar a tarde na aula. E claro que eu e meu irmão tínhamos que participar, não tinha jeito.
Você gostava ou era por obrigação?
Eu gostava. Não adorava, mas me divertia. Meu irmão menos, tanto que hoje ele não tem nada a ver com isso, virou engenheiro.
Em que momento te deu o estalo de querer desenhar o resto da vida?
Me formei em arquitetura e quis fazer uma pós-graduação na Itália. No meio do caminho, fui encontrar uma amiga em Paris e não saí mais de lá. Nesse período, no meio das novidades, eu comecei a desenhar, era minha maneira de extravasar.
Tipo um diário…
É. Aí que me deu o estalo. Pensei “Nossa, podia fazer uma escola de desenho aqui”. Fiz um curso de histórias em quadrinhos.
Você lembra de alguns desenhos que fazia quando criança?
Eu gostava de desenhar pessoas, que é o que faço até hoje. Às vezes eu ia na aula com a minha mãe e lembro uma vez que a professora pediu para as pessoas sentirem a música com o lápis. E eu fiquei lá fazendo o rosto de uma menina com trancinha. Imagina se eu ia ficar seguindo a música!
E hoje, tem alguém que te inspira?
Quando eu cheguei em Paris, a primeira exposição que eu fui foi do Modigliani. Fiquei encantada. Se a gente hoje prestar atenção nesses pescoços grandes que eu faço, dá para ver que eu fiquei apaixonada. E ele só desenha pessoas, retratos. Aquilo foi muito determinante para mim.
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Você tem algum ritual para desenhar?
Gosto muito do silêncio quando vou criar. Por isso, à noite é o meu momento de criação, raramente de dia. É muito disperso, o telefone toca, falta açúcar e tem que sair pra comprar, o meu marido trabalha aqui, o filho chega da escola.
Qual é o seu processo de criação?
Acabei de fazer um da Ruth Rocha. Eu li o livro umas três vezes. Fico com ele na minha cabeça. Nos meus livros eu faço o projeto gráfico, mas nesse caso, não. Eles me dão o texto com o espaço para preencher com as ilustrações. Faço o desenho a lápis, depois pego um papel vegetal, ponho por cima e passo a canetinha. Depois disso, scanneio, limpo a imagem e, dependendo do que for, mudo a cor dos traços e faço a pintura de dentro.
Em que momento você começou a ilustrar livros infantis?
Na França. O tipo de desenho que eu fazia na época não colava pra criança. Os desenhos lá eram muito redondinhos. Quando eu estava indo embora, eles começaram a ousar. Foi aí que comecei a ilustrar livros infantis. E quando cheguei aqui foi a mesma coisa, porque os livros de criança estavam meio atrasados. Depois de um tempo o mercado deu uma animada.
Você desenha muitas mulheres, mães. Tem algum motivo especial?
É mais fácil desenhar mulher, dá pra brincar mais nas formas, elas próprias têm mais forma. Homem é muito chato. Quando eu desenhava era gay.
Como você teve a ideia de escrever O Nariz de Anaiz? Foi o primeiro de sua autoria?
Foi. Eu comecei a achar que tinha que escrever porque estava recebendo textos muito ruins. A editora manda o texto pra mim, pra ver se eu gosto. Tem coisa que eu não faço porque é ruim demais. Então, pensei que precisava escrever algo pra poder desenhar o que estava a fim mesmo. Aí escrevi, mas também não sei como saiu. Peguei essa coisa da rima, comecei a achar as palavras, todas que rimavam.
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E como você começou a fazer produtos licenciados?
Eu tinha ilustrado um livro para adulto, A Beleza dos Signos, que falava das especificidades das mulheres de cada signo. Eu precisava personalizar cada uma e quando eu fiz isso, pensei que podia fazer uma boneca de cada signo, porque a mulherada adora. Foi aí que eu lancei as Suppetes, e foi um sucesso. Fiz mil bonecas e sumiram as mil, não fiquei nem com 12. Comecei a pensar que podia fazer alguma coisa cada vez que lançasse um livro. O problema é que eu não posso fazer com um livro de outra pessoa. Aí comecei a desenvolver camisetas, fiz as canequinhas, etc.
Você tem filhos?
Tenho dois bem grandes. Um de 22, o Romain, e outra de 15, a Charlotte.
Eles gostavam de desenho quando crianças? Você os estimulava?
Não, nunca estimulei a desenhar, nunca desenharam, mas meu filho virou artista plástico. Eu pensava que algum dos dois iria virar. Mas existe também uma rejeição, né. Eles me viam desenhar e viravam a cara. Meu filho, no último ano de colégio, era obrigado a escolher entre uma matéria e outra e não se encaixava em nada. Foi aí que ele começou a fazer grafite. Não é ilustração, é um negócio bem mais maluco.
Quando eles eram pequenos, te inspiravam a fazer livro infantil?
Eles me ajudaram, sim. Acho que é difícil para as ilustradoras que não tem filho.
Eles te dão opinião sobre seus desenhos?
Dão. Disso eles gostam.Minha filha não se aproxima muito, mas quando vem amiga dela aqui em casa, elas ficam apaixonadas. Dá pra sentir certo orgulho, quando ela mostra algo pras amigas. “Olha o que minha mãe faz”. Alguns trabalhos de escola eu faço. Já fiz uma caricatura do meu filho para ele ser aceito na escola lá na França.
E eles usam seus produtos? As camisetas, por exemplo?
A camiseta minha filha já acha infantil. Mas eu que fiz a agenda dela. Dei também alguns caderninhos que ela distribuiu para as amigas. Presentes de aniversário são sempre daqui, das minhas coisas mesmo. E elas pedem. Já dei boneca, camisola, camiseta, quadrinho…
Você trabalha de casa. Os filhos não atrapalham?
Pois é. Por isso eu sempre me dediquei ao trabalho à noite. Quando eles eram pequenos, na França, eu não tinha empregada, só fui ter depois. Os primeiros anos foram punks. Mas quando eles crescem, é uma questão de estabelecer algumas coisas. Aqui, ficou estabelecido que não podia ficar circulando no meu ambiente de trabalho.
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Você já era ilustradora antes deles nascerem. Acha que a maternidade influenciou alguma coisa no seu trabalho?
Depois que meu primeiro filho nasceu, desenhei muito mais. É claro que você tem mais facilidade, porque está vivendo o momento. Me interessei então pelos livros infantis. Foi quando comecei a ler muito livro infantil e comecei a gostar de verdade mesmo, fazer coleção e desenhar.
Você acha que aprendeu alguma coisa trabalhando com criança?
Não tenho muito contato com criança. Eu só tenho contato quando vou numa livraria ou numa escola apresentar meu livro. É um momento que eles descobrem coisas que você nunca pensou.
Perguntas Pais e Filhos
Família é tudo, concorda?
Que família que você está falando, pai, mãe e filhos? Não, não é por aí. Não acho que família é tudo. Meus amigos são tudo também. A gente não escolhe os filhos nem os pais que tem. A gente meio que é obrigado a gostar. E você nunca tem coragem de falar “não gosto da minha mãe”. E isso existe, porque pode ter uma decepção. Amigo é alguém que você escolheu. Claro que esse alguém pode te decepcionar um dia, mas aí você pode falar “não gosto mais de você”. Eu sou meio anti-família, no sentido de que eu só fico com as pessoas da minha família que eu gosto e que eu tenho a ver. Em relação ao filho, existe um amor incondicional. É claro que é uma pessoa que eu amo e pela qual eu daria minha vida. Tem que se gostar e se admirar pela pessoa que cada um é, e não porque é mãe ou filho.
A infância passa muito rápido; como aproveitar?
Olha, eu gosto mais do adolescente do que da criança. Eu gosto a partir do momento em que ela começa a trocar ideia comigo. A adolescência eu acho bárbaro. Essa idade que dá pra conversar de igual pra igual é muito legal. Mas é a idade em quem eles ainda têm uma inocência, que ainda te escutam, e ainda precisam de você. Vai chegar uma hora que isso não vai mais acontecer.
Livros
O nariz de Anaíz, de Suppa
Tira a mão do nariz! É o que todo mundo dizia pra Anaíz e não adiantava. Mas ninguém desconfiava o que a menina mais desejava… Ed. Larousse (larousse.com.br), R$38,80
Valentina, de Marcio Vassalo
Uma menina acreditava ser uma princesa, Um dia, ela conheceu o mundo. Ed.Global (globaleditora.com.br), R$32
Elvira uma vampira?, de Suppa
Todos querem saber a verdade sobre Elvira, mas, no fundo, gostam é de criar histórias sobre ela. Ed. Larousse, R$28,60