Nasceu minha sobrinha. Meu filho foi visitá-la na maternidade assim que nasceu. Ele percorreu os corredores do andar onde sua prima estava, desbravando paredes e vidros. Conseguiu entrar no berçário, grunhiu para outros bebês e continuava a circular pelos corredores como quem define um destino e vai. Quando aproximamo-lo dela, ele chegou perto, olhou de relance, procurou em volta coisas mais interessantes para se relacionar e fez carinho na minha perna quando minha mãe (sua avó) disse: faz carinho na prima… Ele fez em mim que a segurava no colo. Lindo. Ficou com sua mãozinha deslizando pela minha perna e depois, seguiu seu rumo determinado a sair do quarto e voltar ao corredor.
Ele está naquela fase que anda correndo, sabe? Vai de cara no chão, levanta e continua, sorri e chora ao mesmo tempo e diz algumas palavras na língua primeira, esta que entendemos mas não a controlamos, na medida que não a definimos como português ou qualquer outra… É somente a fala despida do controle da palavra definida. As palavras são um tanto traiçoeiras, quando nos comprometem com o que dizemos. Mas, isso já quase não acontece, não é? Vivemos num momento em que o dizer, está tão distante da experiência que você pode dizer qualquer coisa e não se comprometer. Falar é fácil. Por isso, to adorando a língua do meu filho. A língua que é só dele, ele encontra como quer dizer, como quer se dizer.
E a gente se esforça para silenciar e acompanhar. Eu me pego conversando com ele na forma que eu encontro para falar, e não é português. Já a prima, chora com seus poucos dias, fica vermelha e faz cara de brava… Que a gente se assusta com quem ela já é tão determinada. Que emoção ser tia e ver a família continuando a partir de nós, nos ultrapassando. Assim me vejo envelhecer, me vejo sendo passada para um passo atrás.
Somos a geração do meio, ainda tenho pais, agora filhos, sobrinhos… A sensação de uma vida passando está mais e mais presente, concreta e comprometida. Antes eu não via nada disso, só me via vivendo, agora vejo a vida sendo vivida e uma linha que não tem só direção daquilo que já foi vivido – para trás, mas uma linha que me atravessa e que continua para frente, para aquilo que ainda virá viver. Enquanto penso nisso, meu filho está no aqui agora tão entregue e de repente, me invade o campo de visão, inclinando sua cabeça na frente do meu rosto como quem me chama para o agora. Eu sorrio, ele de volta. Daí ele corre.