Na noite passada recebi um presente de dois amigos queridos. Não se trata de um presente material, mas de algo que tenho de exercitar no dia, na hora e no estar. A palavra “hospedar”, dada ao meu senso de escutar, foi colocada em jantar como uma ação a ser feita e reconhecida dando um sentido maior ao estar com.
Hospedar, no dicionário, diz: oferecer ou receber abrigo; alojar(-se), abrigar(-se). Esse estar junto com abertura maior ao outro é exercício difícil em dias complexos como os que seguem. Mas também é ato difícil de si para si, pois não abrigamos em nós somente aquilo que dominamos, talvez o contrário. Para dar escuta e espaço a tantas, as demandas e vozes internas, precisamos deixar vir para, no fundo do fundo, seguirmos lembrando e reconquistando quem em essência somos. Às vezes, somos velhas entidades em almas pequenas.
Então, numa dada manhã, Joaquim, de cinco anos, ficou de pá virada quando quis mais um pão e eu e o pai dissemos para ele mesmo pegar. Como numa reação de expulsão, ele se irou e disse que não. Que a gente mandava demais ele fazer as coisas. Bom, dissemos, quem quer o pão é você e não nós. Irado, foi até a sala, desistiu da comida e enfureceu o início de dia. Como quem não tinha abrigo, como quem não se sentiu alojado, nem abrigado, reclamou. E a gente, mãe e pai, quase irritados e sem entender as complexidades da alma, quase perdemos a chance de vê-la em seu instante de aparição.
Mas, em sua sabedoria de perseguir e de não largar aquilo que quer, ele enfrentou e nos deslocou. Tentamos a paciência do… E se começarmos de novo e você pegar o pão e eu passar a manteiga? Não. E se você bater na porta e a gente te receber como um convidado? Não. E se você… Eu não quero pegar o pão, você pega e eu passo a manteiga. Tá bom. Pode ser. Então, saiu da cozinha topando todas as alternativas anteriores e bateu na porta como um convidado. Abrimos e recebemos. Ele se sentou à mesa, formalmente nos cumprimentamos e ele disse: eu tenho quinze anos.
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