Há mais ou menos dois anos atrás decidi comprar um carro elétrico. Pensei que não precisava mais de um carro grande como eu tinha, gastar dinheiro desnecessário com gasolina, manutenção, IPVA, além do mais, como educadora, achei que deveria dar o exemplo de esolhas mais sustentáveis.
Em 2023 isso ainda era mais novo do que é agora. Me chamaram de louca, meu filho mais velho me chamou de Yuppie, que eu iria me arrepender, mas isso não aconteceu. Na primeira semana, já tinha me dado conta de que havia feito uma escolha mais sustentável, prática e silenciosa.
Obviamente, para tomar essa decisão, conversei com algumas pessoas, entre elas, o meu psicanalista, que me deu uma sugestão: conversar com uma mulher, uma engenheira mecânica. Visto que, segundo ele, (e toda a torcida do Flamengo sabe), os homens são mais conservadores.
Frequentemente acontece de eu estacionar meu carro na rua e, quando volto, ter, às vezes, e eu com pressa, algum homem querendo me perguntar algo sobre o carro. Às vezes tenho tempo e esclareço as dúvidas, outras, uso o argumento que encerra o papo: “eu carrego o carro na minha garagem uma vez por semana, ando mais um menos 300 KM por semana e gasto, em media, R$ 50,00 de luz por mês com esse carro.”
A maioria das crianças da minha escola conhece o carro da “Vavá”, como me chamam carinhosamente e ficam encantadas ao me verem dentro dele, que é todo envidraçado e bem pequenininho. Não vou falar a marca porque não me patrocinam (ainda)… vai que depois desse texto eles queiram, nunca se sabe, mas não escrevi esse texto com essa intenção.
Semana passada, no final do dia, como faço quando a bateria está acabando, coloquei o carro para carregar. No outro dia de manhã, tirei da tomada, fechei a tampinha de onde carrega, guardei o cabo e liguei o carro par ir trabalhar. Quando apertei o botão e liguei o carro, vi que não tinha carregado nada. “Puxa vida”, pensei. “Será que está com algum problema?” Já estava na minha hora de ir, fui e pensei que a tarde, com mais tempo, colocaria para carregar lnovamente. E fui trabalhar, ainda tinha um pouco de carga na bateria.

Quando vim em casa na hora do almoço, coloquei novamente o carro para carregar, verifiquei que estava tudo certo, deixei-o na garagem e fui almoçar. Aí que vem o porquê tive a ideia de escrever esse texto, para contar e dividir essa história com você que me lê: Mal cheguei para ver que a bateria estava carregando, que estava tudo certo, e resolvi ligar o carro para ver se no painel aparecia aquela figurinha de carregamento. Agora eu me/te pergunto: pra quê?
No momento que fiz isso, o carro não se desligou mais. Entrou em um modo de proteção, tipo me dizendo: “Valesca, tu fez m….” Acrescento que isso foi numa sexta-feira; que liguei para o 0800 da marca, (o atendimento VIP era por um ano e o carro já fez o segundo aniversário); que liguei para uma revenda (estavam ainda em horário de almoço); me sugeriram um guincho… As coisas só pioravam e eu só me perguntava: “Por que eu fui ligar o carro enquanto estava carregando, pra quê?”
Nesse momento, lembrei da minha vó Adelaide, que falava: “Quando a água bate na bunda, tu aprende a nadar.” Ela me falava isso, e eu pensava: “Prefiro aprender a nadar com uma professora, na piscina.” Mas sim, vó, você tem razão. Foi nessa hora que lembrei do Rafael, o cara que me entregou o carro na concessionária há dois anos. Eu tinha anotado o contato dele, guardei no meu HD o nome dele- isso é quase um milagre, ainda mais nesse momento da minha vida, em que ando precisando de mais espaço livre na minha cabeça. Mandei uma mensagem para o Rafael e, pasmem, ele me respondeu na hora.
Expliquei a situação, ele ouviu e disse: “Dona Valesca, a gente nunca liga o motor do carro quando ele está carregando, eu a avisei, lembra? “Óbvio que eu lembrava, mas tinha esquecido naquela hora. “Ok, Rafael”, eu disse, “mas diante disso, o que eu posso fazer?” “Me dê um tempo, vou falar com o mecânico e lhe retorno.” Eu, do outro lado da linha, quase desesperada, perguntei: “Quanto tempo?” E ele: “No máximo em uma hora retornarei.” “E o carro fica ligado esse tempo todo?” “Sim”, respondeu simplesmente o Rafael.
Resumo: ele retornou me dizendo que me ensinaria a desligar a bateria do carro. Transformaríamos nossa ligação para videochamada e ele me passaria as intruções. Juro para vocês que tentei, mas depois de alguns minutos, eu disse: “Rafael, há limites no que uma pessoa consegue fazer.” Se me pedires para dar conta de 20 crianças pequenas, eu dou. Mas usar uma chave de boca e soltar cabos de polos positivos e negativos de uma bateria e depois religá-los eu vou te dizer que não farei.” Acho que falei de um jeito tão sincero e definitivo que, em dez minutos, ele estava comigo e o meu carro, na minha garagem, fazendo o que eu não soube fazer.
Acho que estou precisando desligar por uns dias.







