Sou proprietária e diretora de uma Escola Infantil há muitos anos. Mas, mais do que isso, sou educadora. Daquelas que sentam no chão, que brincam, que conhecem o nome de cada criança, que conhece a particularidade de cada criança. No Caracol, minha Escola em Porto Alegre, sou carinhosamente chamada de Vavá.
Hoje, compartilho uma história que vivi com um menino de 3 anos, que vou chamar de Léo. Começou numa manhã de sexta-feira, logo cedo, às 7h45.
Ao chegar na escola, ele quis ficar um tempo comigo na minha sala, antes de ir para a turma dele. Convidei-o para brincar. Ele topou — com uma condição: seria com o brinquedo que ele havia trazido de casa, mesmo não sendo o dia de levar brinquedos para a escola. Concordei.
Ele também quis pegar dois carrinhos que viu na minha sala: um verde e um vermelho. E escolheu, claro, o vermelho — sua cor favorita.
Foi então que pensei: ali havia uma chance de propor um pequeno limite, sem retirar o encanto da brincadeira. Um exercício de negociação dentro de um vínculo seguro e amoroso.
Disse:
— Olha só, Léo. Hoje não é dia de brinquedo de casa e você trouxe. Não quis ir direto pra tua sala e preferiu ficar aqui comigo — eu topei, porque gosto mesmo de brincar contigo. Você escolheu a brincadeira… agora eu queria poder escolher a cor do carrinho. Eu também quero o vermelho.
Ele me olhou com intensidade. As bochechinhas ficaram vermelhas, de raiva. Brincamos um pouco, mas ele passou o tempo todo batendo no meu carrinho. Achei melhor encerrar por ali e o convidei para brincar no pátio com seus colegas e a professora. Combinamos que brincaríamos de novo em outro momento.
Mais tarde, no início da tarde, sua professora o trouxe até mim. Ele estava inquieto, tentando subir em mesas e cadeiras, sem conseguir atender aos combinados.
Coloquei ao meu lado um puff infantil colorido — eles adoram aquela poltroninha — e ele sentou ali, perto de mim. Eu, na minha cadeira. Nos olhamos.
Ele perguntou:
— O que a gente vai fazer, Vavá?
Respondi que ainda não sabia. Que a gente podia pensar junto, mas que antes ele precisava se acalmar. Descansar um pouco.
Ficamos em silêncio por um minuto. Aquele silêncio cheio de presença. Ele relaxou, vi o movimento dos seus ombrinhos relaxarem e ele encostou a cabecinha no puff. E, então, me pediu:
— Me conta uma história?
Eu sorri. Tinha lido no dia anterior um livro lindo, tudo a ver com aquele momento: O Monstro das Cores, da Anna Llenas. A história apresenta um monstrinho confuso por sentir várias emoções ao mesmo tempo. Na história, uma amiga o ajuda a nomeá-las e organizá-las, associando cada sentimento a uma cor: alegria (amarelo), tristeza (azul), raiva (vermelho), medo (preto) e calma (verde).

Quando terminei a contação, perguntei:
— E você, Léo… que cor está sentindo agora?
Ele respondeu:
— Ainda tô vermelho.
Nos olhamos e sorrimos. Em silêncio.
Logo depois, ele pediu para segurar o livro. Entreguei em suas mãozinhas. Ele folheou com cuidado, sem pressa. Depois, voltou ao início, e com o dedinho, contornou as imagens: o monstrinho, as cores, a amiga do monstro.
Quando terminou, me convidou:
— Vavá, vamos desenhar o monstrinho?
Aceitei com alegria. Fiz o contorno do monstro, do meu jeito, em preto. Ele desenhou os olhos e a boca.
Ao final, me olhou e disse:
— Agora eu quero ir pra minha sala, com a minha profe e os meus colegas. Você me leva?
Em tempos tão acelerados, nos quais tudo exige respostas rápidas, é preciso lembrar que o tempo da infância é outro. É o tempo do vínculo, do sentir, do silenciar junto, do contornar com o dedo antes de nomear.
Léo precisava de um tempo para si, com um adulto que pudesse estar com ele, acolhendo a sua desorganização, respeitando e acreditando que ele, amparado, pudesse se acalmar. Como de fato aconteceu.
Quando fui acompanhá-lo de volta para a sua turma, me deu a mão. Fomos caminhando lado a lado pelo corredor da Escola, então perguntei: e agora, que cor você está sentindo? E ele: agora eu tou laranja, Vavá! E você, me devolve ele, que cor você tá?
Eu, agora, tou verde.