Há poucos dias o filme foi lançado e uma onda rosa tomou conta do mundo. Eu mesma fui duas vezes ao cinema e essa dupla oportunidade foi fundamental. Na segunda vez, eu sabia o que queria ouvir e ver de novo, ampliando minha compreensão do filme. Há muitas formas de se engajar com ele, mas aqui optei por trazer dois pontos: um sob a ótica da Barbie e outro a partir dos olhos do Ken. Vamos lá:

1. A partir do olhar da Barbie fica muito claro que o desequilíbrio de gênero existe, seja no real, seja na fantasia. É bem evidente que o modelo gangorra, do sobe e desce entre homens e mulheres, está presente na Barbieland, com o poder nas mãos das Barbies, enquanto os Kens ficam esvaziados. E, na vida real (de Malibu, diga-se de passagem), o contrário acontece, mas a gangorra se mantém, com o patriarcado vencendo.
Aterrissando em nossas vidas, acho que o que a Barbie traz é algo que acontece bastante no dia a dia, o descompasso e sobrecarga distintas entre pais e mães, sendo que as mães, na maior parte das vezes, são quem carrega o maior peso. Mesmo que se fale o contrário, e em algumas “bolhas” isso possa estar mudando (ufa!), o real é que ainda vemos pais pouco envolvidos com a maior parte das demandas da casa e da família.
Uma experiência que vivi nesta semana comprovou claramente que essa situação se mantém. Visitando o GRAACC, o centro referência na América Latina para tratamento de câncer infantil e juvenil, pude observar quem estava acompanhando as crianças. Conseguem antecipar quem? Na maioria dos casos, segundo a equipe do hospital, são as mães ou avós. Ou seja, a gangorra e a responsabilidade pesam sempre e ainda para o lado das mulheres.

2. É interessante também olhar para o filme a partir do Ken. Ele, assim como a Barbie, se apresenta nas duas vidas, na real e na de fantasia. Mas, diferentemente da Barbie, ele é um bobão em ambas as vivências. Em Barbieland, ele é o homem “banana” em alguns momentos, em outros o machão que é fissurado pela vida country, de carrões, cavalos e músculos. Quando chega em Malibu, na vida real, se encanta com todos os ícones da masculinidade tóxica, das posturas corporais, às roupas e falas.
Na vida real, Ken, mesmo ridículo, empodera-se em detrimento da Barbie, que vira objeto e sujeita aos olhares sexualizados dos operários da construção. Em nenhuma das vidas ele se coloca lado a lado da Barbie, lutando com ela para superar os desafios da vida a dois. Ou ele é bobo ou machão. Como nossa vida de equilibrista pode ser mais suave tendo um Ken assim do nosso lado? Ironicamente ele usa uma camiseta com a inscrição “Ken-enough” – se ele é suficiente, o que duvido bastante, será apenas para seu ego, pois para apoiar as mulheres ele está bem longe de qualquer ideal.

Pensando em nossas vidas de equilibristas, saí do filme com uma certeza: nem em Barbieland, nem na vida real de Malibu, vi algo promissor. A gangorra entre eles, ora um em cima, ora o outro, mostra uma sociedade em que não há espaço para termos homens e mulheres vitoriosos e parceiros. A ideia que fica é que o poder é sempre concentrado e unilateral e, isso é, a meu ver, uma péssima notícia para o equilibrismo. Será que é apenas isso que podemos vislumbrar para o futuro? Nesse sentido, vejo um amanhã nada rosa….