Inspira, expira, mão direita na perna esquerda, barriga na coxa e ombros longe das orelhas. Dedos dos pés afastados, coxas sempre ativadas. Cachorro olhando para baixo, árvore, golfinho ou pavão. Movimentos, posturas e referências à fauna e à flora, exigem muito suor, força e concentração. Como diz minha querida professora de yoga, Marina Fuess, mais importante do que a perfeição da posição é sua intenção em chegar lá. O foco é se visualizar conseguindo, mentalizar a posição perfeita.
Sábias palavras da Marina que me inspiram a pensar na vida muito além do tapetinho. Ela costuma dizer que é como se aquele espaço, de menos de 2 metros quadrados, fosse um laboratório para a vida. Para mim, há quase 2 anos como praticante de yoga, talvez um campo experimental para me desafiar e saber lidar com meus limites.
Afinal, o que yoga e vida de equilibrista têm em comum? Tudo!
A começar por nossa busca incessante, com multitarefas que temos, de acreditar que damos conta de tudo e que a perfeição existe. Assim como na prática de yoga, aprendi que não há maternidade nem paternidade perfeitas. O que vale é visualizarmos a perfeição e sabermos quais são nossos limites. Mesmo que eu não tenha força suficiente para a pose do pavão, postura que meu filho Gabriel faz com facilidade, mentalizo a possibilidade da pose perfeita e respiro com tranquilidade sabendo até onde chego. Talvez um dia eu consiga, talvez não. E tudo bem. Respeitar seu corpo é ter consciência de seus limites, é se pautar por aquilo que é possível e não por aquilo que o manual definiu.
Volto para a maternidade. Quantas vezes não olhamos para uma amiga com alguma inveja por algo que ela faz em relação aos filhos que nós não fazemos da mesma forma, e em nossa visão, errônea diga-se de passagem, fazemos de forma imperfeita? Outro dia ouvi o relato de uma amiga que estava desesperada. No grupo de WhatsApp das mães da creche, todas se vangloriavam de amamentar para além dos 12 meses e ela estava exausta após 6 meses dando o peito. Que mãe horrível e imperfeita ela estava se sentindo! Uma outra me revelou, quase como uma confissão, sua impaciência para ler histórias de ninar para o filho sendo que todos os especialistas dizem que isso é essencial para criar um futuro leitor. Mas para essa mãe, o presente dela não permitia que ela lesse histórias ao filho. Seria ela uma mãe imperfeita por isso? É comum vermos no outro a perfeição e nos julgarmos a partir dessa referência. Como diz o provérbio, a grama do vizinho sempre é mais verde. Será mesmo?
Como equilibristas, mãe, pai e profissionais, sempre queremos dar conta de tudo, muitas vezes indo além do razoável, do que seria a medida de nossos limites. O resultado podemos ver no número de pessoas esgotadas, com vários indicadores que comprometem mente e corpo. Basta um olhar à nossa volta e até para nós mesmos que veremos com frequência queixas de cansaço, insônia, falta ou excesso de apetite, energia em baixa.
Volto para o yoga. Se no tapete conseguimos respeitar nossos limites como sinais da voz de nosso corpo, por que em nossas vidas fora dele não aplicamos cotidianamente a mesma sabedoria? Por que somos surdos ao que sentimos e agimos como um rebanho cego? Por que não nos inspiramos no equilíbrio que o yoga proporciona para termos uma vida mais equilibrada?
Em minha visão, trata-se da necessidade de ressignificar o perfeito. Não mais vê-lo como um ideal inatingível mas como o melhor possível de cada um. A ideia de uma única perfeição é limitante, é o que nos impede de apreciar o momento, aproveitar para reconhecer nossos limites e poder ver valor nessa descoberta. Não existe perfeição em tamanho único, ou, como se diz em inglês, a perfeição não é “one size fits all”. Ao longo das práticas de yoga vejo que, de fato, o tapete é mínimo diante das lições que tiro dele. Que possamos ter lucidez para entender que há dias em que não há melhor lugar no mundo do que a postura da criança (a posição do yoga para a qual podemos sempre voltar quando estamos cansados) e tudo bem. Afinal, amanhã, podemos ser o guerreiro de novo.
Namastê.