Os filhos dela dormem a noite toda, escovam os dentes quatro vezes ao dia e não precisa nem pedir. Comem apenas comidas saudáveis, na hora certa, zero de gorduras ou doces, muito menos comidas processadas. Na escola, são impecáveis e exemplos de bons alunos, dentro e fora da sala de aula. Ela é brilhante no trabalho, dá conta de tudo e ainda faz viagens a trabalho. Nunca tem um fio de cabelo fora do lugar e se veste sempre adequadamente. Desfruta de um casamento feliz, sexo fenomenal e tem um marido que é o máximo, super companheiro e atencioso com os filhos. Ah, quase me esqueci, ela também tem as unhas sempre bem feitas, com esmalte brilhando (nada daquelas unhas meio lascadas, isso jamais!). Faz academia e cozinha super bem. Ainda por cima é prendada e no dia dos professores faz incríveis presentes, todos feitos por ela, um a um. No Natal, sua casa é um encanto, luzes, estrelas, renas e guirlanda enfeitando o jardim e a fachada, causando “frisson” na vizinhança.
Alguém a conhece? Nem de ouvir falar? Eu não a conheço pessoalmente, mas sinto que há anos ela é uma velha conhecida, uma figura muito presente em minha vida, passando de geração em geração. Ela não tem nacionalidade e poderia ser uma “hermana” argentina ou uma gringa dos Estados Unidos. Essa mulher fala muitas línguas! Creio que ela apareceu em minha vida, sorrateiramente, no minuto em que descobri que estava grávida da Beatriz, há mais de 21 anos. Não desgrudou de mim desde que sou mãe do Gabriel. E hoje, não sei quanto tempo ela ainda irá me perseguir.
Se ligo a TV ela está lá, ao vivo e a cores, espalhando seu modo de ser. Se folheio uma revista ou leio um texto num blog, lá está ela de novo. No cinema ela aparece em várias situações, vários locais e em diferentes climas. Não consigo me livrar dela, mesmo tentando fervorosamente. Mas tem dias que ela é mais presente, outros está mais calma. Agora deu para me acompanhar até no Facebook, Instagram e Pinterest. Posts, fotos e pins que me lembram de sua presença.
Ela nos julga e nós a julgamos em troca. Até quando vamos ficar presas a ela? Ou, pelo menos, como podemos nos desligar dela em alguns momentos e viver sem essa sombra que nos atormenta em nossos papéis de mães? Ela existe ou é uma ficção de nossas cabeças culpadas? Quem foi que criou essa “monstro-super-mãe”?
Também não tenho todas as respostas, a única certeza que tenho é a de que nunca conheci uma mãe assim, em carne e osso. Talvez ela exista numa terra distante, longe do nosso alcance. Mais provável ser um mito que criamos e que alimentamos todos os dias. Um mito que em vez de nos ajudar, é terrível para nossa autoestima. Comparando-nos com ela, sempre estamos no débito. O mito da boa-mãe, como gosto de chamar, é uma pedra no nosso caminho. Criamos um monstro assustador para nós mesmas. Perfeição só combina com gente “de mentira”, coisa para extraterrestres. Não se encaixa na forma de gente “de verdade”.
Enfim, sugiro deixarmos os mitos para os contos de fadas e viver a maternidade plena. Todas as mães que conheço são boas e más ao mesmo tempo, falham e acertam num mesmo dia, gritam e acariciam, amam e odeiam. Ainda bem! Imperfeição é o que dá graça e colorido à maternidade!