Eu estava em um encontro de pais, quando um deles se levantou para compartilhar algo. “Eu tenho raiva do meu filho”, ele disse, “pois ele tem coisas que eu nunca tive. Ele tem um quarto só dele e uma cama, e brinquedos que eu mesmo nunca tive a chance de ter quando era criança. Cada vez que ele faz birra ou chora porque quer algo, eu explodo por dentro. Ele deveria ser grato! Ele deveria perceber tudo o que tem! Sinto raiva da ingratidão do meu filho”.
Muitos de nós vamos dar aos nossos filhos tudo o que não tivemos – mais amor, mais presença, mais carinho – e nossos filhos, naturalmente, terão momentos de ingratidão. Afinal, eles só sabem o que têm, não o que sofremos na nossa própria infância. Nosso papel é passar adiante menos traumas do que recebemos. Se fizermos isso já fizemos a nossa parte. Criar os filhos não é a parte difícil, mas lidar com nossos próprios traumas e gatilhos no processo de criar um filho.
Numa quarta-feira qualquer, marquei um cinema com minha filha Anita. Achei que estava com a agenda livre, mas logo percebi que tinha duas reuniões naquela tarde. Quando cancelei o cinema com minha filha, naturalmente ela ficou triste. “Poxa vida, papai!”, ela disse. E isso foi o bastante para uma raiva explodir dentro de mim. Comecei a dizer que ela não sabia o quanto era sortuda e que ela tinha tudo e que deveria ser mais agradecida, e quanto mais eu falava mais exaltado ficava e minha filha mais triste e assustada.

Até que parei, respirei fundo e pedi desculpas. “Anita, me desculpa. Minha mãe nunca teve tempo pra ir ao cinema comigo em uma quarta-feira à tarde. No fundo quero que você seja grata só por essa possibilidade. Quando falho com você, sinto raiva das vezes que falharam comigo quando eu era criança. Mas é só meu trauma, nada a ver com você. Me desculpa, filha”. Ela correu até mim chorando e me abraçou. “Que bom que
você explicou, pai. Eu não estava entendendo nada”. Ela não estava entendendo nada. Nenhuma criança entende quando seu pai explode. Tudo bem nos confundirmos, desmarcarmos um cinema, mas não está tudo bem explodir com nossos filhos.
“Nosso papel é passar adiante menos traumas do que recebemos.”
Nossos filhos não pediram para nascer. Tudo o que um filho pede, na verdade, é amor pleno e incondicional. Qualquer interação menos do que plenamente amorosa é o que chamamos de criação de trauma. Se recebemos abandono, palmada, desamor, castigo, agressão e violência, este é um incêndio que veio queimando de geração em geração. O pai que tem a coragem de olhar para as chamas e dizer “Não mais”, apaga o incêndio, traz finalmente paz aos antepassados e prosperidade para seus descendentes. São gerações e gerações, para o passado e para o futuro, esperando que alguém consiga acertar as coisas. E espero que a nossa geração esteja à altura dessa missão.










