
Este é o segundo texto de uma minissérie de 3 textos meus aqui na coluna da Pais&Filhos Separei três temas quentes que, possivelmente, estão rondando a sua rotina por aí. Semana passada falamos sobre o uso de telas e hoje o assunto é Birra.
As birras fazem parte de todo desenvolvimento infantil. Elas representam, nada mais, nada menos do que uma declaração explícita de que a criança ainda não tem o raciocínio bem desenvolvido.
O nosso cérebro é dividido em algumas partes. A parte que controla nossas emoções é o sistema límbico, que está a todo funcionamento no cérebro infantil. Mas a parte que controla a nossa razão, chamada de córtex pré-frontal, é totalmente imatura na infância. É incrível pensar que ela só estará completamente desenvolvida entre os 20 e 25 anos de idade, sabia?
Ou seja, tudo o que acontece na vida da criança é literalmente SENTIDO, e não raciocinado. Seja algo bom ou ruim. Cabe a nós, adultos, fazermos a mediação e auxiliar que o córtex pré-frontal se desenvolva (sem pressa, porque nossa ansiedade só vai atrapalhar). Isso quer dizer que precisamos conversar muito com a criança e fazer com que a nossa razão se sobreponha à nossa emoção, especialmente naqueles momentos mais irritantes.
Fazer isso não é fácil, porque (na maioria das vezes) não foi isso que fizeram conosco. Mas é o melhor jeito de lidar com as birras. Adultos criativos terão mais facilidade para gerenciar um ataque birrento porque conseguirão, mais facilmente, ver o outro lado da coisa: o lado da criança. Sendo assim, lembrar que ela está fazendo o que faz porque não tem capacidade cognitiva, AINDA, para agir de outro jeito, ajuda a se equilibrar e a RACIOCINAR.
Por outro lado, lidar com as birras adequadamente é uma boa maneira de nutrir a habilidade criativa da criança, sabe porquê? Por que uma criança (ou uma adulta) criativa precisa saber lidar com as frustrações, os fracassos, os nãos. Porque ter uma ideia não é a parte mais difícil do processo criativo. O mais difícil é expor e testá-la. E lidar com o resultado disso é essencial para realizar algo realmente criativo.
A ligação entre birra e criatividade é justamente essa. Na maioria das vezes, as birras nascem de eventos frustrantes ou negativos. Lidar com elas é ensinar a criança a lidar com os nãos da “vida”.
A dica, então, é lembrar da imaturidade da criança, respirar fundo (para não deixar só sua emoção falar) e agir com a sua razão. Geralmente sugiro estes 4 passos.
Primeiro passo: conecte-se à criança. Diga que você entende que ela se sente mal (que está frustrada ou magoada) e ofereça um abraço (se ela não quiser, tudo bem). Continue.
Segundo passo: empatize. Diga que você também já sentiu isso e que é realmente muito chato se sentir assim.
Terceiro passo: ofereça seu colo. Diga que existem outras formas de resolver aquela situação e que você está ali para ajudá-la a resolver assim que ela quiser e se acalmar.
Quarto passo: sente e espere passar.
A reação da criança após estes 4 passos vai depender de muita coisa. Da relação entre vocês, do evento que originou a birra, da fase de vida em que ela está. Ela pode parar em 5 minutos ou não parar. Se ela parar, converse. Repita o passo 1 e 2 e reforce que infelizmente você não pode alterar a situação (nunca “melhore” a situação só para amenizar a birra. Isso provoca efeito rebote, ou seja, só aumenta as próximas). Em seguida, ajude-a a transformar a frustração em algo positivo ou mesmo num aprendizado.
Se a criança não parar de chorar e você não aguentar mais ouvir e ver tudo aquilo, mantenha-se firme e racional. Diga que você permanece à disposição dela quando ela se acalmar mas que vai se afastar por um tempo até que ela se recupere. Se estiver num local público, você poderá, ainda, removê-la da cena. Levando-a para o carro ou o banheiro, onde ela possa se acalmar mais facilmente.
As birras dizem muito sobre limites. Equilibrar razão e emoção é um limite.
Mostrar para a criança que ela tem o direito de se manifestar daquela forma (já que ainda não é capaz de fazer de outro jeito) mas que, ao mesmo tempo, algumas pessoas podem se incomodar com seus gritos (por exemplo), inclusive você, é uma forma de equilibrar também.
Mostrar que ela tem o direito de se sentir magoada ou frustrada e que, ao mesmo tempo, deve buscar aprender outras formas de manifestar isso, inclusive conversando, é uma forma de equilibrar e apresentar limites.
Mostrar que você a respeita e, de fato, respeitar o tempo de sua maturação neuropsíquica ao mesmo tempo que se disponibiliza a ensiná-la outras formas mais racionais de resposta é também sinal de equilíbrio e forma de apresentar limites.
Lidar com as birras diz muito da sua relação com a criança e seu vínculo com ela. Este último, por sinal, é fator fundamental para estudarmos o terceiro assunto que apresentarei na semana que vem: depressão infantil. Vamos nessa?
Te encontro por aqui na próxima terça e, todo dia, no insta @biancasollero.
Um abraço e até lá.
Leia também:
Crianças e o uso das telas: você não precisa evitar 100% se é impossível para a sua família
Educar uma criança nunca pareceu tão difícil
Semana Mundial do Brincar: brincadeira é importante, mas não precisa se cobrar demais