Texto por Leonardo Piamonte, pai de Pipe, Pedro e Guto, psicólogo e escritor (@leonardo_piamonte)

O dia dos pais é uma data apropriada para um balanço da sua paternidade, como você se compara com o pai de um ano atrás e, ainda mais especialmente, como você se projeta para o novo ano que se inicia até o dia dos pais do ano que vem?
A paternidade continua sendo uma oportunidade enorme para melhorar a sociedade, a partir da figura do homem e seu papel na vida como pai. Mesmo assim, os cartórios do Brasil continuam, em número recorde, registrando crianças sem o nome do pai no RG, mães solo continuam enfrentando os desafios da parentalidade sem nenhum apoio e o número de pais que são itinerantes, esporádicos e sazonais é impossível de estimar.
Os homens continuam sendo cuidadores pouco confiáveis, pouco disponíveis e pouco interessados no dia a dia das crianças e do lar. Poucos homens se encarregam das atividades normais de uma casa no dia a dia e quando o fazem são celebrados de forma exagerada. Poucos pais se encarregam dos cuidados diários dos seus filhos sem que isso lhes traga uma pecha do super pai.
Essas supervalorizações do cuidado regular impedem ainda mais o avanço da paternidade como motor de transformação: por um lado, os homens que recebem os elogios, não raro, alimentam a ideia de que não há muito mais pra melhorar no ano que vem, pois a sua paternidade já é o último nível do cuidado humano, a forma final do pai contemporâneo, e caem em um vórtice de julgamento de outros pais e autopromoção das suas práticas, além de deixá-los profundamente sensíveis a qualquer crítica, por mínima e justa que seja, e inebriados o suficiente pelos seus acertos para não perceberem suas próprias falhas.
Por outra parte, outros pais, menos engajados nos pormenores da infância e seus dilemas e necessidades, encontram dificuldades de várias índoles para exercerem sua paternidade de forma mais ampla e livre.
Instituições oficiais que continuam adiando, quase por 4 décadas, o debate sobre a importância do pai nos primeiros dias de um bebê contribuem para um país que deixa claro que a paternidade é um assunto menor, desimportante e carente de sentido, que mal merece uma semana curta e corrida para se resolver.
Uma licença paternidade irrisória, com empresas que assumem, já logo no recrutamento, que quem deve cuidar dos filhos é a mãe, promovem um ambiente em que o pai se vê nadando numa contracorrente, às vezes às custas de ser promovido ou chamado para oportunidades mais benéficas, por se ausentar para uma reunião escolar ou uma consulta com pediatra.
A presença do homem trabalhador na empresa ainda é mais importante para a nossa sociedade do que a presença do homem pai no lar.
Ideias datadas do cuidado masculino como uma questão apenas de provisão de recursos (e não que isso não seja crítico, em um país de 11 milhões de mães solo, segundo o IBGE 2023), continuam povoando o imaginário popular, complicando ainda mais o cenário da paternidade no Brasil. Em alguns estados, mais de 50% dos domicílios são liderados por mulheres sozinhas (por exemplo, Pernambuco 53,9%, Sergipe 53,1%) Mais de 57% dessas mães solo vivem abaixo da linha da pobreza, enfrentando extrema vulnerabilidade social. Estima-se que 5,5 milhões de crianças brasileiras não têm o nome do pai registrado em suas certidões de nascimento e apenas em 2021, o CNJ registrou cerca de 1.527.000 ações contra pensão alimentícia, o equivalente a 2,36% de todos os processos — a ação mais demandada nas varas de família.
O anterior compõe um mosaico da paternidade em que há mais espaço para refletir e se reposicionar do que comemorar e festejar.
O que fazer?
Apoiar o estabelecimento de uma licença paternidade mais coerente com os achados da ciência é urgente e necessário. Aproveitar e usufruir dos benefícios oferecidos por programas particulares é crítico para consolidar uma cultura de cuidado masculino mais atenta e presente, provocando as lideranças das empresas a elas mesmas dar o exemplo e inspirar seus liderados e pares na busca pela equidade de gênero no cuidado do lar e da infância. Continuar trazendo o debate da paternidade, com suas amarguras e alegrias em cada roda de homens se faz essencial, trazendo os filhos e suas questões para o centro da própria constituição do homem adulto e responsável.
No lado pessoal de cada pai, é importante se manter humilde, atento e engajado. O cuidado diário é uma tarefa cansativa, cujas glórias surgem em palcos esvaziados, onde há pouca luz para uma selfie ou um registro que não seja mental. Cada pai deve manter uma postura de aprendiz atento, observador constante, um pensador do seu próprio agir, um ouvinte dedicado e aberto a se refazer a cada dia para se tornar um cuidador cada vez mais confiável e amoroso.
Ser pai é, por si só, um motivo enorme de comemoração. Neste final de semana vamos brindar o dia do ano que nos corresponde, sem esquecer da urgência de fazer disso um motivo de celebração diária e se atentar a forma em que a gente responde.
Feliz dias dos pais