Quando um casamento chega ao fim, as dúvidas e inseguranças são quase inevitáveis — e tudo se intensifica quando há filhos no meio. Para famílias com crianças neurodivergentes, como aquelas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o desafio vai além da adaptação emocional: envolve planejamento cuidadoso, continuidade no tratamento e uma rotina que promova segurança e bem-estar.
De acordo com Henrique Hollanda, advogado especialista em direito de família, o suporte emocional e terapêutico é essencial nesse momento. “A rotina, o apoio terapêutico e o ambiente estável se tornam ainda mais essenciais para o desenvolvimento saudável de crianças e jovens. Quando ocorre a separação, o planejamento adequado faz toda a diferença”, ressalta.
Dados divulgados pelo Ministério da Saúde em 2024 apontam que aproximadamente 2,2 milhões de crianças brasileiras recebem acompanhamento especializado por apresentarem algum tipo de neurodivergência. Nessas famílias, o processo de divórcio pode representar uma verdadeira reviravolta na estrutura necessária para garantir o equilíbrio da criança. O rompimento do vínculo conjugal exige mais do que acordos sobre visitas ou pensão — ele demanda cooperação ativa, sensibilidade e, muitas vezes, ajuda profissional.
Embora a guarda compartilhada continue sendo a modalidade mais recomendada, Hollanda destaca que ela nem sempre é a melhor escolha para todos os casos. “Não adianta impor uma guarda compartilhada se o dia a dia não permite os devidos cuidados — seja por conflito entre os pais ou pela falta de estrutura na casa de um dos genitores”, afirma. Em situações em que há dificuldades de convivência ou de manter uma rotina terapêutica contínua, alternativas devem ser avaliadas com o apoio de profissionais especializados.

A legislação brasileira já contempla os direitos das crianças com deficiência ou com necessidades específicas. A Lei Brasileira de Inclusão e o Estatuto da Pessoa com Deficiência garantem acesso facilitado à saúde, educação e outros serviços essenciais. No entanto, como lembra Hollanda, na prática, os obstáculos ainda são grandes. “Famílias que já enfrentam sobrecarga emocional pela rotina de terapias e consultas podem passar por conflitos adicionais ao tentar dividir responsabilidades, despesas e horários de locomoção.”
E quando falamos de rotina, estamos falando de algo crucial. Crianças no espectro, por exemplo, podem reagir com angústia a mudanças abruptas. Mudar de casa, adaptar novos horários ou até mesmo alterar o ambiente em que vivem pode causar regressões no comportamento ou crises emocionais. Por isso, é importante que o processo de separação seja feito com orientação de psicólogos, assistentes sociais e terapeutas familiares, que podem ajudar a organizar uma transição respeitosa e segura. “A gente percebe que, quando há orientação profissional, fica muito mais viável definir detalhes como qual genitor acompanhará consultas, quem ficará responsável por comprar medicamentos ou gerenciar terapias, e como serão organizados os períodos de convivência”, destaca o advogado.
Outro ponto delicado é a pensão alimentícia. Para crianças neurodivergentes, os custos com terapias, profissionais especializados, equipamentos de apoio e transporte podem ser significativamente mais altos. Um levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em fevereiro de 2025 mostrou que mais da metade dos casos envolvendo crianças com necessidades especiais incluíam pedidos para revisão do valor da pensão. “Em muitos casos, a pensão precisa ser recalculada justamente para contemplar despesas fixas mais altas que o convencional, garantindo a continuidade do tratamento”, pontua Hollanda.
Apesar das previsões legais, nenhum documento ou norma jurídica é capaz de resolver sozinho as dificuldades emocionais e os impactos que um divórcio pode causar em uma criança. Nessas situações, a atuação conjunta de diversos profissionais se mostra fundamental. Advogados, terapeutas, educadores e médicos devem formar uma rede de apoio, sempre priorizando o que realmente importa: a saúde emocional e o desenvolvimento da criança.
E por mais difícil que pareça manter o diálogo entre ex-parceiros, esse passo é fundamental para que a criança continue crescendo em um ambiente acolhedor. “Manter o respeito e o diálogo entre os ex-cônjuges continua sendo o passo mais importante, mesmo que não seja fácil. Afinal, mais do que um papel judicial, o que está em jogo é o futuro de uma criança que merece todo o suporte para continuar se desenvolvendo plenamente”, conclui Henrique Hollanda.