Habilidade que acompanha o ser humano desde o nascimento, o sentir é uma ação que se compreende e se manifesta de maneira bonita e doce, mas também amarga e feia. “Todo mundo nasce com potencial para ter todos os sentimentos, tanto os bons quanto os ruins. A gente precisa entender isso de forma muito profunda para autorizar não só as crianças a expressarem os sentimentos ruins, mas inclusive os adultos”, diz a doutora em psicologia Vanessa Abdo, CEO do Mamis na Madrugada, mãe de Laura e Rafael.
Para viver em sociedade, aprendemos desde o início da vida que os únicos sentimentos que podem ser expressados são os bons, enquanto os negativos devem ser reprimidos. Essa lógica, ainda que faça sentido no superficial das relações, não estimula pessoas a entenderem como se sentem – muito menos a comunicar isso de maneira assertiva e que não seja violenta.
“Segundo Jung, quando reprimimos sentimentos negativos, estamos reprimindo a nossa sombra. Se não prestarmos atenção na forma como colocamos essa sombra para o mundo externo, ela pode vir de uma maneira muito violenta”, explica Vanessa. Fora do plano das ideias, a teoria aplicada ao dia a dia cabe perfeitamente em uma cena que toda família já presenciou: crianças dizendo que odeiam os pais em momentos de nervosismo.
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Por que meu filho me odeia?
Antes de qualquer explicação, a gente já te manda a real: não, seu filho não te odeia. E pode reparar: os momentos em que você provavelmente ouviu essa frase não foram os maia felizes – no geral, expressões de sentimentos negativos acontecem em situações de conflito e que são emocionalmente desgastantes. “Crianças não sabem regular as próprias emoções. Quando elas ouvem um ‘não pode’, um desejo é barrado ou são obrigados a fazer algo que não querem, a emoção toma conta do corpo da criança de uma tal forma que ela pode ficar agressiva“, explica a Fernanda Teles, educadora parental, psicóloga e mãe de Liz, Théo e Mel.
Essa reação explosiva nada mais é do que seu filho colocando para fora o que está sentindo da maneira como consegue: com pouco ou praticamente nenhum repertório de comunicação. É aí que o tão temido “eu te odeio” pode dar as caras. Nesses momentos, o mais importante a se fazer é não levar para o pessoal. Seu filho não te odeia, ele só está chateado e não sabe como lidar com os sentimentos ruins que a frustração trouxe para ele.
Não é com você
Ouvir o próprio filho direcionar ódio para você dói. E pode te fazer esquecer de qual é o seu lugar: o de adulto da relação, a única pessoa dessa troca que, no momento, tem capacidade para entender o que realmente está acontecendo. Em hipótese alguma os pais devem levar isso para o pessoal. Pelo contrário: é função dos pais validar os sentimentos do filho e ajudar a criança a regular as próprias emoções, que estão extremamente desorganizadas durante o momento de frustração.
Por mais que sua reação instintiva seja brigar, a educadora parental alerta que alimentar o ciclo do mau comportamento é a última atitude que você deve tomar. “Toda vez que o seu filho apresenta um comportamento que você não acredita ser o correto, você precisa focar em uma solução para ensiná-lo a fazer diferente”.
Na prática, isso quer dizer que você precisa mostrar para o seu filho que você está ali para ele mesmo que sua maior vontade seja sair de perto. “Eu sei que você me ama, mas que agora está muito chateada porque eu falei não. Está tudo bem”, exemplifica Fernanda Teles. A validação do sentimento da criança é o primeiro passo para conseguir organizar as emoções à flor da pele dela no momento de tensão.
![Antes de qualquer explicação, a gente já te manda a real: não, seu filho não te odeia](https://paisefilhos.com.br/wp-content/uploads/2024/11/httpswww.paisefilhos.com_.brmediauploadslegacy9c897037589833bb0afca98517e451c3cee3c02357-2.jpg)
Ainda que seja lindo na teoria, na prática isso não é fácil. “Você pode estar exausta e com outras coisas para fazer. Mas mesmo assim precisamos lembrar que os pais são os adultos. Por mais cansados que estejam, os adultos são responsáveis por essa relação. Os pais têm que ser a autoridade”, reforça Vanessa Abdo.
Se, de acordo com Jung, o contrário de amor é poder, essa sensação de revolta pode fazer os pais enxergarem um “eu te odeio” do filho como uma atitude ingrata e desencadear um sentimento de vingança. Para a Vanessa Abdo, aplicar um castigo depois de uma situação como essa não vai ensinar nada. “É o contrário disso. Quando a criança chega nesse lugar é porque ela está muito desorganizada”. O adulto, em sua função de responsável, precisa acolher e mostrar que entende o que está acontecendo.
Se coloque no lugar do seu filho
Sangue de barata não existe e você pode, sim, ficar chateada com o que aconteceu – mas nunca levar o sentimento negativo do seu filho para o pessoal e encarar como uma afronta. “Quando isso acorda o sentimento ruim nos pais, eles precisam lembrar de novo do lugar do adulto e de todo o repertório que eles têm. De como ele mesmo se sente quando está frustrado, o quão ruim é não conseguir argumentar em uma situação em que o outro é autoridade. As crianças têm direito a terem sentimentos ruins, a forma como se expressa esses sentimentos são qualificáveis, e são os pais que precisam mostrar como organizar esses sentimentos para a gente viver em sociedade”, precisa Vanessa Abdo.
Comunicar para criar vínculo
Mostrar para seu filho que você entende o que ele sente e acolher quando necessário pode ser uma prática difícil de colocar na rua no início – mas isso só trará benefícios para a relação de vocês dois. Conectar-se com a criança depois de um momento de difícil para só então mostrar um caminho diferente de demonstrar de forma mais gentil a própria frustração vai provar para ela que ali é um porto seguro para falar sobre sentimentos, principalmente os ruins.
“Como a criança poderia falar: estou chateada porque você não me deixou ficar mais tempo na festinha. Estou zangada porque não pude tomar mais sorvete”, orienta Fernanda Teles. Esse caminho, que deve ser traçado pelos pais, pode levar tempo. É importante ter persistência para mostrar o que é correto – e dar o exemplo é fundamental.
![Mostrar para seu filho que você entende o que ele sente e acolher quando necessário pode ser uma prática difícil de colocar na rua no início](https://paisefilhos.com.br/wp-content/uploads/2024/11/httpswww.paisefilhos.com_.brmediauploadslegacyf8bb4adf362b04e8903fda81870f564e1df5723e18-1.jpg)
“E aí a mágica acontece. Toda a criança que tem esse espaço seguro para ser quem ela nasceu para ser, para falar dos seus sentimentos, vai conseguir se expressar com você sobre tudo. Toda vez que seu filho estiver chateado ou com um problema, ele vai ter esse lugar para falar das emoções dele e você sempre vai poder ajudar seu filho nesses momentos”, diz a educadora parental.
Punir não é educar
As consequências de não acolher os sentimentos ruins de uma criança não são vistas de perto. Esse resultado aparece como pedras no caminho a longo prazo. “Se toda vez você pune, xinga, grita e castiga, você está barrando o seu filho de expressar o que ele sente. Ele vai ser aquela criança que nunca coloca nada para fora, que vai ter dificuldade de expressar as emoções e, consequentemente, será um adulto reprimido que não pode falar o que sente, que sempre coloca a emoção do outro como mais importante que a emoção dele. Isso pode trazer consequências graves na vida adulta se aquela criança estiver for sempre silenciada”, alerta Fernanda Teles.
Não escolhemos o que sentimos nem a maneira como nossas emoções nos arrebatam. Mas está no nosso controle a maneira como nos comportamos perante os sentimentos e como comunicamos isso para outras pessoas. Esse é o mantra. Por mais difícil que esse caminho pareça ser, vai na fé. Será a melhor coisa que você pode fazer por você, pelo seu filho e sua família.