Durante nosso 3º Seminário Internacional, a psicopedagoga argentina Laura Gutman, escritora e mãe de três filhos, deu o seguinte recado para as mulheres: procurem suas comunidades, formem redes. Nunca antes na história do mundo estivemos tão sozinhas para criar os filhos. “É preciso uma vila inteira para educar as crianças”, lembrou. De fato, antigamente a palavra família abrangia todas as pessoas de “mesmo sangue”. Pais, avós, tios, primos, até primos de segundo grau, eram pessoas próximas que influenciavam nossa vida e forma de pensar. Hoje até no dicionário esse conceito passou por alterações. Segundo o Houaiss, família “é um núcleo social de pessoas unidas por laços afetivos, que geralmente compartilham o mesmo espaço e mantém entre si uma relação sólida”. Laços, não apenas sangue.
Embora tenham ocorrido tantas transformações, Edmara D de Lima, diretora da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABP), mãe de Cibele, diz que as famílias atuais têm em comum a preocupação com os filhos e seu desenvolvimento. “Utilizo o plural, porque há alguns anos poderíamos falar de apenas um perfil, mas hoje temos vários. Há a família tradicional, a homoafetiva, algumas só com a mãe e o filho, outras só com o pai, diversas combinações. Essas mudanças afetaram profundamente o papel de cada um.”
A primeira grande mudança é o papel da mulher. A mãe saiu do desígnio de ser dona de casa, responsável por cuidar dos filhos, e passou a ter um emprego. “No começo, ela não fazia diferença no orçamento familiar, porém hoje temos uma mulher que sustenta a família ou tem metade dessa responsabilidade”, aponta a psicopedagoga. Em consequência disso o papel de homem foi se ajustando ao da nova companheira.
Se no passado a família tradicional era baseada no modelo patriarcal, hoje há uma “queda” da figura paterna. “O pai jamais contestado, e imposto como sagrado, vai perdendo lentamente o espaço, já a mãe passa a assumir e garantir a estabilidade financeira”, afirma Renata Bento, psicóloga e psicanalista, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro, mãe de João Pedro e Eduardo Luiz. Há um aspecto positivo nisso, porque o pai deixa de possuir essa imagem incontestável e passa a se aproximar dos filhos, ser visto como um amigo. “Desde que o pai abriu mão de ser somente o ‘mestre’, aquele que tinha o poder de castigar, ele ficou mais afetivo e paciente”, acrescenta Edmara. De acordo com a pedagoga, nos anos em que ela trabalhou na escola, a hora da saída era um universo totalmente feminino. “Hoje temos um ambiente misto: tanto os pais quanto as mães trazem e buscam os filhos.”
O número de filhos mudou. Em 1981 a média de crianças por família era de 4,3 pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse valor foi caindo progressivamente. Uma pesquisa recente do Ministério do Desenvolvimento Social apontou que atualmente essa média é de 1,59 por família. “À medida que a mulher passou a ter um novo papel, junto com o controle da taxa de natalidade e o controle do tamanho da família, o número de filhos diminuiu bastante”, afirma Edmara.
Como toda mudança, há pontos positivos e negativos. “Podemos notar uma maior divisão de responsabilidades dentro do seio familiar, diferentemente do modelo patriarcal. Mas isso, infelizmente, não quer dizer que a sociedade tenha abandonado completamente essa forma de pensar”, comenta Monica Pessanha, psicoterapeuta de crianças e adolescentes, mãe de Melissa.
Toda mudança provoca uma reorganização, o que funcionava antes não funciona mais. “O papel da mãe e do pai era mais claro, talvez isso pudesse aparentemente despertar menos insegurança, porque já havia um modelo predefinido do que era ter e constituir uma família; hoje com as mudanças não temos um papel definido”, afirma Renata. A psicanalista defende que a família precisa ser continuamente reinventada
“Entre os pontos negativos, está o conflito de geração. Nas últimas décadas, as novas gerações divergem muito das anteriores quanto às metas perseguidas, aos valores respeitados e aos critérios para discernir o que vale a pena do que pode ser descartado”, reflete Monica. A partir dessa divergência nasce a dificuldade de diálogo entre pais e filhos. Monica compartilha que outro fator negativo decorrente dessas transformações é que o casamento deixou de ter um caráter eterno, e como consequência houve um aumento das famílias monoparentais chefiadas pelas mulheres. “Isso causa a elas grande peso e responsabilidade para dar conta de toda a demanda familiar sozinha.” Uma pesquisa do IBGE mostrou que 16,3% das famílias brasileiras são resultados de recasamentos e 3,1% da população brasileira é divorciada.
Solidão da família moderna
Essas mudanças também trouxeram o que os especialistas passaram a chamar de solidão. “O que queremos dizer com esse termo é que, quando a mulher dava à luz, durante o pós-parto, a avó ou algum membro da família se mudava para a casa dela para ajudar nos cuidados com o bebê. Isso não existe mais!”, explica Edmara. Atualmente a mulher sai do hospital e não tem essa “rede de apoio”, a avó pode morar longe ou precisa trabalhar.
“A maternidade é algo de uma complexidade imensa. É um encontro solitário consigo mesma. Com a mudança do papel social da mulher, ela passou a ter uma rede familiar menor ou não ter ninguém”, diz Renata. Por isso que o marido ocupa um lugar importantíssimo na relação, ele não é mais apenas o provedor, se torna o companheiro e precisa abraçar a maternidade junto com a parceira.
Agora a rede de apoio da mulher é online. A tecnologia levou a troca de experiências maternas para as redes sociais. “Existem grupos de apoio às mães, inclusive plataformas de depoimentos sobre o papel difícil e romantizado da vida materna”, exemplifica Monica. E não podemos esquecer que a maternidade é uma construção diária, todo dia você terá algo para aprender.
Segundo a psicóloga o mais importante para a maternidade acontecer de forma suficiente é a compreensão de que esse aprendizado também acontece com erros, cansaço e solidão. “E tudo bem passar por essas dificuldades no caminho maternal”, completa.
Edmara Lima alerta sobre a necessidade de se ter uma rede familiar. Só que ela não precisa ser composta por membros com o mesmo sangue, pode ser criada. “Você só precisa construir e aprender a manter”, aconselha
Como obter sucesso
“A regra continua a mesma: afeto, diálogo e respeito. Acredito que a fórmula seja sempre essa”, diz Edmara. De acordo com a psicopedagoga, a família que possui esses três componentes consegue enfrentar qualquer tempestade, seja uma crise de saúde ou financeira, elas são superáveis. “Agora, quando não há isso, qualquer vento mais forte consegue derrubar”, reitera. Embora sucesso seja um termo bem subjetivo, assim como o conceito de felicidade, “isso está diretamente relacionado com os sentimentos, emoções e expectativas pessoais”, alerta Renata. Não esqueça que a família é uma equipe. Já que os papéis não são mais delimitados como antigamente, todos precisam se esforçar para fazer o plano funcionar. “Todos podem lavar louça, roupas, arrumar a casa e dividir as contas”, aconselha Monica.
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