No mundo todo, as mães falam uma língua só. Seja em francês, chinês, árabe, português ou russo, o idioma universal que conecta mães e bebês atende pelo nome de manhês. Essa língua tem características próprias que se repetem em cada cultura: a chamada musicalidade prosódica, um tom de voz mais agudo, numa velocidade lenta com alongamento de vogais, entonação, uso de frases curtas, palavras simples e repetição das sílabas. São as mesmas características das cantigas de ninar, que também seguem o mesmo tom ao redor do globo.
Falar como bebê não tem nada de bobo. Por meio da melodia da voz, seu bebê consegue sentir seu interesse por ele. No entanto, cada mãe tem seu próprio vocabulário e sotaque. Se observarmos várias delas, vamos perceber que nenhuma fala exatamente igual. É uma língua universal, mas completamente particularizada. Tem a ver com a história da família, como avós e tias falavam”, explica a psicanalista Patricia Cardoso de Mello, filha de Lilia e João Manuel.
A partir da 25ª semana de gestação, o bebê já tem a estrutura de audição completa e escuta a voz da mãe. Num primeiro momento, a trilha sonora são os sons internos, como as batidas do coração, os barulhos do aparelho digestivo, tudo o que acontece no corpo materno. Com o tempo, ele passa a ouvi-la, assim como a voz do pai, que fica registrada e se torna familiar. “O bebê nasce num universo de linguagem já estabelecido e vai, aos poucos, se apropriando das formas de comunicação”, explica a psicóloga Fernanda Nogueira, mãe de João e Nina.
Papo de bebê
Uma peculiaridade dessa linguagem está no fato de a mãe dar significado a cada manifestação do bebê. Ou seja, ela interpreta e responde, criando uma espécie de diálogo. Para uma mãe estar inteira na relação com o filho, meia palavra basta, pois uma sílaba vira uma frase. O filho diz “mã”, ela responde “É a mamãe do nenê que tá aqui”.
Você dá sentido ao que o bebê sente, como frio, fome, cólica, e vai ligando os acontecimentos às sensações do bebê. A conversa não é aleatória, mas associada a uma série de sinais demonstrados pelo filho. Quando levanta os braços, a mãe sabe (ou interpreta) que ele quer colo. Segundo a psicóloga Fernanda Nogueira, o bebê precisa dessa interação para desenvolver a fala.
Uma das formas de começar essa comunicação é descrever os passos da rotina: a hora do banho, de mamar, de dormir. Algo como: “Agora, a mamãe vai trocar sua fralda. E, depois, banho!”. Mesmo que ele ainda não entenda, essa maneira amorosa de falar transmite afeto e atenção. “O significado não é claro para o bebê, mas o tom agradável é”, explica o neuropediatra Saul Cypel, pai de Marcela, Irina, Eleonora e Bruna.
Cada mãe, um jeito
Pesquisas realizadas com mães fluentes em manhês e outras nem tanto revelam outro ponto: é preciso falar com entusiasmo e prazer para obter os tais picos prosódicos. “Antes de buscar satisfazer sua necessidade de alimento, o bebê percebe a alegria que sua presença causa na mãe”, comenta a psicóloga Fernanda Nogueira.
Para falar essa língua, é preciso estar bem emocionalmente. Mães com depressão pós-parto, por exemplo, têm mais dificuldade para introduzir o manhês na fala. Natália Piassentini teve sua primeira filha, Giulia, aos 17 anos: “A nossa comunicação hoje é difícil. Tenho consciência de que tudo que não vivemos no início resultou nesse distanciamento”. Além de Giulia, Natália tem a Maria Clara, oito anos mais nova, com quem canta, brinca e conversa em manhês naturalmente. Como a depressão pós-parto atinge uma em cada oito mães, essa falha na comunicação é comum. Nesse caso, o ideal é procurar ajuda logo.

Mas nem toda mãe que não fala em manhês está com algum problema. Algumas podem se sentir embaraçadas. “Cada mãe tem seu jeito”, diz a psicanalista Patricia Cardoso de Mello. Não é porque uma falou mais e outra falou menos em manhês que a criança vai ter algum tipo de problema. “O que acontece é que, quando nasce o bebê, a mãe fica mais sensível e chora facilmente. Há aquelas que não se sentem tão à vontade falando manhês”, explica a psicanalista. O que importa é a espontaneidade. Se você tem vergonha, aproveite para se soltar quando estiver a sós com seu filho.
Janaina Costa é a prova de que cada mãe tem seu jeito de construir essa comunicação. Ela costuma dizer que é mãe de três filhos únicos, por causa da diferença de idade entre eles: Pedro, 10, João, 5, e André, 1. “Com cada um me expresso de uma forma. Preciso até me controlar”, admite.
Além de estreitar a relação entre mãe e bebê, o manhês tem papel importante na aquisição da linguagem, que não depende só de recursos biológicos, cognitivos e comportamentais. “É um jeito de fisgar a atenção da criança. E, assim, ela aprende. A aquisição da fala se dá com o outro”, explica a fonoaudióloga Rita Paula Cardoso, mãe de Mariana e Rafael e sócia-fundadora do Lugar de Vida – Centro de Educação Terapêutica. As relações estabelecidas na primeira infância são fundamentais porque constroem o vínculo, e a criança aprende a ter noção dela e do outro. “A linguagem é um finalizador de um bom desenvolvimento” afirma Saul Cypel.
Aprenda a falar “manhês” em 6 lições
- 1. Use entonação, entusiasmo e prolongue as vogais. Exemplo: “Coisa riiiiiica da mamãaaaaae!”.
- 2. Use frases curtas com duas ou três palavras. Exemplo: “Hora de mamar!”
- 3. Repita duas ou três vezes. “O bebê fez xixi? Fez xixi? É xixi”. Logo, ele vai saber que o xixi é xixi.
- 4. Mostre que você sabe que o bebê está sentindo pelo tom da sua voz. Ele sabe “ler” sua voz e suas expressões.
- 5. Abuse da linguagem corporal. Gesticule, acene, arregale os olhos, faça caras e bocas.
- 6. Dê significado às manifestações do bebê. Se ele chora ao sair do banho porque está com frio, diga: “Friiiio, está com frio”.
Você está se comunicando em “manhês” quando sua fala tem…
- Timbre de voz mais agudo, com entonação que sobe e desce
- Palavras simples e repetidas várias vezes
- Pontos silábicos que se destacam quando as palavras são usadas no diminutivo. Exemplo: mamãeZInha
- Sons rítmicos
- Frases pequenas e simples
- Elementos próximos aos musicais
- Prolongamento de vogais
- Espontaneidade
Sem infantilização
Existe, porém, uma grande diferença entre a linguagem manhês e a infantilizada. O manhês é essa forma espontânea de falar com crianças de até 2 anos. “A infantilizada é quando a mãe conversa com um filho de 8 anos como se fosse um bebê”, enfatiza Patricia Cardoso de Mello. O adulto usa palavras erradas e pode atrapalhar o aprendizado. “Desde o nascimento, a criança precisa ouvir as palavras ditas corretamente para que aprenda corretamente”, esclarece a pedagoga Miriam Damazio, mãe do Paulo Henrique. Muitas mães ficam encantadas quando ouvem o filho trocar letras, afinal ele pronunciou de um jeitinho muito fofo, não é? Mas o essencial mesmo é a maneira amorosa com que você se comunica com o bebê, os gestos, o tom de voz. Esses estímulos auditivos ficam gravados na memória em primeiro plano, mais até do que os visuais. Quem é o bebezinho mais lindo do mundo? É o seu, com certeza. Conte isso para ele.
Matéria publicada originalmente na edição 518 da Revista Pais&Filhos