A pandemia transformou muitas rotinas, exigiu adaptações e fez famílias se fecharem dentro de casa por segurança. Mas o que era para ser um cuidado temporário virou um cenário assustador na cidade de Oviedo, no norte da Espanha. Lá, três irmãos, sendo dois gêmeos de 8 anos e um menino de 10, foram encontrados vivendo em condições extremamente precárias, trancados dentro de casa desde 2021.
Eles passaram mais de três anos isolados do mundo, sem escola, sem amigos, sem contato com ninguém além dos pais. A descoberta aconteceu depois que uma vizinha desconfiou da situação e alertou os serviços de proteção à infância. A partir daí, começou uma investigação que revelaria o que a imprensa local chamou de “casa dos horrores”.
Como a denúncia começou
Tudo teve início em abril, quando essa vizinha notou que as crianças nunca iam à escola. A suspeita foi levada à Secretaria de Família e Infância, que acionou a polícia. Um detalhe chamou ainda mais atenção: o endereço em questão recebia uma quantidade incomum de entregas, mas ninguém via movimento de entrada ou saída na casa, alugada desde 2021. Nem mesmo os vizinhos tinham visto os moradores.
Vigilancia policial, un ticket de la compra y las breves salidas a la calle del sospechoso: así cazaron al hombre que mantuvo cinco años encerrados a sus hijos en #Oviedo pic.twitter.com/SSstRT9SNe
— Alfonso Egea (@Alfonso_Egea) May 2, 2025
Ao cruzar os dados, a polícia percebeu que apenas um adulto constava no registro da residência, o que não batia com a quantidade de encomendas. Foi o suficiente para envolver o Ministério Público da Infância e Juventude, que determinou uma ação imediata.
O resgate e a prisão dos responsáveis
Na manhã de 28 de abril, a polícia bateu à porta da residência. A operação, que inclusive enfrentou o apagão elétrico que atingiu a Espanha e Portugal, culminou na prisão do casal responsável pelas crianças: um homem alemão de 53 anos e uma mulher com cidadania alemã e americana, de 48 anos. Ambos foram detidos por suspeita de abandono de incapaz, maus-tratos psicológicos e violência doméstica.
As crianças foram imediatamente levadas para avaliação médica e social. O estado em que foram encontradas era de partir o coração.
O que foi encontrado dentro da casa
Imagine uma casa onde ninguém sai, ninguém entra, e tudo é controlado por uma pessoa com medo do mundo externo. Agora adicione a isso lixo acumulado, fezes, medicamentos vencidos, quartos insalubres, e até um banheiro reservado apenas para um gato doente. Esse era o ambiente onde os irmãos viviam.
Eles dormiam em berços com grades adaptadas, usavam fraldas e usavam até três máscaras sobrepostas durante o dia, segundo a polícia. Desenhos perturbadores cobriam paredes e móveis, com representações de monstros, caveiras, cadeados, rostos distorcidos. Para a psicóloga forense Ana Villarrubia, contratada pelo jornal El Español para analisar as imagens, esses rabiscos eram gritos silenciosos, sinais do impacto psicológico do isolamento extremo.
Um dos desenhos mais simbólicos era uma fileira de cadeados desenhados na cabeceira de um dos berços, quase como uma assinatura de desespero. A psicóloga explica que os traços intensos e sobrepostos revelam sofrimento emocional e uma percepção de estar preso, mesmo sem entender direito o que estava acontecendo.

Por que isso aconteceu?
Segundo as investigações, o isolamento começou como uma reação exagerada à pandemia. O pai controlava tudo: o que entrava, o que saía, o que os filhos podiam ver ou fazer. Nenhum dos dois adultos demonstrou arrependimento. A mãe alegou que os filhos tinham doenças e que o confinamento era uma medida de proteção. Mas a realidade apontava para abandono e negligência.
O casal segue detido e o caso está sendo analisado pela Justiça espanhola. A pena pode chegar a até sete anos de prisão. Já os três irmãos estão sob os cuidados do Estado, recebendo atendimento médico, psicológico e suporte social para iniciar novas adaptações sociais, com liberdade, segurança e, principalmente, humanidade.