É possível acordar cedo, trabalhar, cuidar da casa, comparecer a compromissos e, ainda assim, não estar bem. Para muita gente, essa rotina aparentemente normal esconde um desgaste profundo que muitas vezes passa despercebido. A isso se dá o nome de depressão funcional — um tipo de sofrimento psíquico que, mesmo com o cotidiano funcionando, faz a pessoa se sentir emocionalmente exausta.
Carlos Manoel Rodrigues, professor de Psicologia no Centro Universitário de Brasília (CEUB), explica que o termo ajuda a ampliar a visão sobre os diferentes modos com que os transtornos mentais podem se manifestar. “É fundamental lembrar que os sintomas depressivos se manifestam de maneiras muito distintas entre as pessoas”, afirma.
Enquanto no transtorno depressivo maior os impactos costumam ser mais intensos e visíveis, a depressão funcional é mais silenciosa. A pessoa consegue manter suas atividades, mas isso não significa que ela esteja bem internamente. Os sinais estão ali — tristeza persistente, cansaço que não passa mesmo depois de uma boa noite de sono, irritabilidade constante, perda de interesse por atividades antes prazerosas, alterações no apetite, dificuldade de concentração e uma sensação de vazio difícil de explicar.
“Quem está em sofrimento percebe que algo não está bem, mas tenta ignorar ou minimizar os sinais. Já os que convivem com essa pessoa podem não notar nada, porque ela continua ‘funcionando’”, alerta o psicólogo.
Essa capacidade de manter a aparência de normalidade, segundo Rodrigues, é justamente o que torna esse tipo de depressão tão difícil de identificar — até mesmo para profissionais de saúde. “O funcionamento externo camufla o sofrimento interno. É preciso uma escuta sensível, que vá além dos critérios técnicos e leve em conta a subjetividade do paciente”, destaca.

Apesar de parecer que tudo está sob controle, o desgaste para sustentar essa “normalidade” é enorme. Com o tempo, pode haver piora no quadro, surgimento de transtornos de ansiedade, burnout ou crises emocionais mais sérias. “A pessoa pode continuar exercendo suas funções com excelência, mas às custas de um enorme esforço interno. Isso não significa que ela esteja bem”, reforça.
Mas o que leva alguém a desenvolver esse tipo de depressão?
De acordo com o especialista, não existe uma única causa. Diversos fatores podem estar envolvidos, desde predisposição genética até pressões sociais e experiências de vida difíceis. “Traços de personalidade, experiências adversas, pressão social e contextos profissionais desgastantes estão entre os fatores envolvidos”, explica. Além disso, estresse crônico, excesso de responsabilidade, cobranças externas e falta de tempo para o autocuidado também contribuem para o quadro.
Reconhecer os sinais pode ser desafiador, mas algumas pistas ajudam. Frases como “estou cansado o tempo todo” ou “nada mais faz sentido”, além do afastamento de atividades que antes geravam prazer, podem indicar sofrimento emocional. “A forma como esses sinais se manifestam varia conforme a personalidade, a idade, o gênero e o contexto de vida. Por isso, é importante estar atento e aberto ao diálogo”, pontua Rodrigues.
Mesmo que o termo “depressão funcional” ainda não faça parte dos diagnósticos formais, o tratamento segue as mesmas bases de outros quadros depressivos: psicoterapia, medicação (quando necessário) e mudanças no estilo de vida. “O diferencial está em como o quadro é compreendido e como a pessoa responde ao cuidado. O acompanhamento deve respeitar a experiência individual”, afirma o professor.
A psicoterapia oferece um espaço de acolhimento e escuta ativa, enquanto a medicação pode ajudar a reduzir sintomas mais intensos. Ao mesmo tempo, manter hábitos saudáveis — como ter um sono de qualidade, praticar atividades físicas e respeitar os próprios limites — faz toda a diferença no processo de recuperação. “As redes de apoio são fundamentais para que a pessoa não se sinta sozinha. Escutar sem julgar é um gesto simples que faz muita diferença”, ressalta.
Quando o sofrimento se prolonga, há sensação constante de exaustão ou desinteresse pelas atividades da rotina, buscar ajuda profissional é essencial. “Buscar ajuda precocemente é um ato de cuidado e responsabilidade consigo mesmo”, conclui Carlos Manoel.