Hoje escrevo sobre uma menina da geração Alpha. Ela já nasceu confrontando a mãe. Não quando era recém nascida, mas quando iniciou sua introdução alimentar. Ali já apareceu ao que veio. Soube disso através da sua mãe, que tive o privilégio de conhecer quando veio conhecer a minha escola.
A Mari, como vou chamá-la, chegou, como a maioria de nós, mães de primeira viagem: olheiras, cansaço, queixas, culpa, retorno a vida profissional e mais a filha que não queria comer. Ouvi, acolhi, mostrei a escola e conversamos sobre a possibilidade dessa pitoca iniciar sua vida na escola infantil. Trouxe a ideia delas terem um tempo de privacidade, um tempo não muito prolongado e que, juntas, observaríamos como isso ia ser e que também, juntas, faríamos os ajustes necessários.
Essa menina iniciou seu período de adaptação e foi, dentro do tempo dela, estabelecendo vínculos com a professora e os coleguinhas da turma. Na época, ela tinha um aninho e dois meses. Como não é raro acontecer, em seguida, passou a aceitar os alimentos que lhe eram oferecidos. Sempre que posso, comento com os pais que ainda bem que as crianças não se comportam na Escola como se comportam em casa, pois se o comportamento delas fosse o mesmo que é com os pais seria impossível ter uma escola. A professora, quando a mãe vinha buscar a filha, contava que ela comia, a mãe, por um lado ficava feliz, por outro, se frustrava.
Essa pitoca, quando chegava em casa, na hora de comer, tiranizava os pais. Falante desde cedo, como a maioria de nós, mulheres, já dizia o que queria para a Mãe: “quero iogurte”, a mãe alcançava, a pitoca revidava, “não quero”; “quero banana”, a mãe descascava e alcançava, a pitoca revidava, “não quero”, assim era com a maçã, a pêra, a uva e tudo mais que ela resolvia pedir.

Nas sextas a noite, ainda mais que antecedia o final de semana, a mãe se angustiava mais, pois sabia o que viria, tudo isso somado à preocupação que ela não comeria bem, medo que adoecesse e tudo mais que passa pela cabeça de uma mãe. Essa guriazinha se alimentava da tirania e a mãe emagrecia de angústia.
Hoje essa figura tem 4 anos, come de tudo e é uma pequena grande figura. Vou contar umas pérolas dela: No jogo de adivinhar as frutas, por exemplo, ela é fera, descreve todas e sabe de umas que eu nunca ouvi falar, mas ela conhece e conta que já experimentou. Ela tem um colega, que só para na hora do conto ou ajuda na hora de guardar os brinquedos, quando ela pede. Dia desses, presenciei a cena: ele tocando o terror na sala, a profe implorando para que ele colaborasse, veio ela, colocou as mãozinhas na cintura, olhou para ele e sentenciou com firmeza: “Fulano, pára!”, e o cara parou – e ainda a acolheu com um sorriso.
Minha filha Roberta, que trabalha comigo na escola, dia desses me contou que essa pequena grande figura disse: “Beta, tu sabe que eu ‘ouvo’ podicastis?”. E a Mari, mãe dessa guriazinha, me contou que conta muitas histórias para ela em casa, dia desses, brincando com o tio, ela completou a frase: “…então, disse ela!” Ou essa outra pérola: “Mamãe, pede para a sua sogra, quando vir nos visitar, que traga pão de batata para mim?”
Ela nasceu em 2021 e carrega nos olhos o brilho da Geração Alpha. Meninas como ela crescem entre telas que piscam e histórias sussurradas ao pé do ouvido, entre vozes artificiais e canções de ninar. São pequenas líderes que já sabem o que querem, que negociam com firmeza e inventam mundos inteiros em poucas palavras. Essa guriazinha é retrato de seu tempo: curiosa, cheia de repertório, firme nas vontades e doce nos afetos. A infância dela, e de tantas outras, é a lembrança viva de que o futuro se constrói agora, no simples gesto de brincar, no olhar que acolhe e no cuidado que protege.