O IBGE, censo da população brasileira, nos trouxe, em sua recente edição, um retrato bem interessante de quem somos. Para nosso espaço aqui, um dos dados que me chamou a atenção, tem a ver com a taxa de fertilidade das mulheres. Para se ter uma ideia, em 1960, essa taxa no país era de 6,28 filhos por mulher, chegando a 8,56 na região Norte. Em 2022, caiu para 1,55 filho por mulher no país e para 1,89 na região Norte. Ou seja, de Norte a Sul estamos tendo menos filhos! Claro que já sabíamos disso, basta olhar para nossas famílias, ou de amigos e vizinhos e vemos que quem passa de 2 filhos já é chamado de corajoso, no mínimo. Agora o IBGE escancarou o tamanho da queda. Outro dado interessante é o aumento de 26 para 28 anos na idade média em que mulheres têm primeiro filho. Ou seja, a gravidez é um projeto para perto dos 30, em muitos casos.
Mas, para mim, o que me interessa dividir com vocês, é pensar no que está por trás desses números. Que sociedade é essa que traz menos filhos ao mundo? O que estamos dizendo, enquanto coletivo, sobre quem somos? Que modelo de sociedade está por trás dessa queda? O que nossas vidas de equilibristas têm a ver com isso, equilibrando tantos pratinhos e papéis? Desafiei-me a pensar sobre isso e trago aqui algumas primeiras reflexões, quase como pistas do porquê desse fenômeno.
Quero fugir de olhar apenas pelo prisma econômico, talvez a explicação mais fácil que surja em rodas de conversa: “está muito caro criar filhos hoje em dia”. Mesmo que isso seja verdade, me recuso a parar apenas nesse estágio de raciocínio. Assim, minha primeira reflexão aponta para uma sociedade mais ampla em termos de sonhos. A parentalidade segue sendo um sonho e meta de muita gente, mas muitos outros surgiram nos últimos anos. Sonhamos em explorar o mundo, sonhamos em ter mais espaço para a vida a dois, sonhamos em construir carreiras e subir na vida, sonhamos em criar um negócio e empreender, sonhamos mais sonhos, enfim. Certamente esses sonhos já podiam existir no censo anterior, mas eles ganharam mais espaço para acontecer. A parentalidade perde sim espaço para novos e possíveis sonhos, antes abafados.

Em segundo lugar, vemos uma desestruturação da rede de apoio, mesmo que isso revele também movimentos positivos. As avós, por exemplo, que antes viam como natural o cuidar dos netos como sua missão na terceira idade, não vêem mais. As babás, que numa sociedade desigual estavam muito disponíveis, são mais escassas. Jovens que antes eram babás miram outras coisas, elas também têm novos sonhos. Essa mudança de comportamentos da sociedade afeta diretamente o plano de ter filhos. Afinal, quem cuidará dessa criança com pais ativos no mercado de trabalho?
Uma terceira reflexão é sobre a sobrecarga em cima da mulher, que mesmo com uma sociedade mais equilibrada em termos de responsabilidades sobre afazeres domésticos, ainda a fatia que recai sobre a mulher é significativamente superior. Como costumo dizer, as mulheres saíram de casa mas a casa ainda não saiu dos ombros das mulheres. Sem dúvida, isso é mais um impedimento para uma prole maior.
Por fim, uma quarta possibilidade, que não é declarada abertamente pelas pessoas, mas acredito que deva mover muito dessa tendência de ter menos filhos, mesmo que de forma inconsciente. Vivemos numa sociedade da modernidade líquida, dos vínculos mais frágeis, fluidos e tênues. Um dos maiores compromissos da vida e talvez o único definitivo são nossos filhos. Parece que ter filhos e se comprometer com eles vai na contramão da liberdade e do que muitas pessoas buscam hoje em dia. A solução mais imediata é não ter filhos ou ter poucos.
Claro, outros motivos contribuem para isso, não esgoto de maneira alguma este pequeno texto, mas espero que sirva para nosso primeiro passo para essa reflexão. É uma forma de olharmos para os números do IBGE entendendo que, atrás deles, estão emoções, sentimentos e desejos.