Todos e todas sentimos que uma página inédita da história se abriu, uma guerra contra um inimigo desconhecido e invisível. Um verdadeiro “tsunami mental”, uma experiência íntima e mundial jamais vivida, com tal amplitude planetária. A pandemia da Covid-19 não passou por nós impunemente. Atravessou nossas vidas, de muitas e variadas formas. Roubou nossos empregos, os abraços e os afagos, isolou as crianças, aproximou e separou famílias, obrigou muitos a buscar meios de sobrevivência, forçou e intensificou relacionamentos – antes distantes ou inexistentes – ficamos entristecidos, angustiados e inseguros.

Ela estressou o sistema sanitário, repercutiu na economia mundial, perturbou os equilíbrios sociais, expôs a todos, castigou os mais vulneráveis. Levou-nos a repensar nossas vidas, através desta experiência radical de viver a imprevisibilidade e o aleatório deste vírus. Experimentamos o medo da contaminação e da morte. Impossível não pensar nos impactos em nosso cotidiano, em nossas certezas, crenças, modos de vida, de ser e de nos relacionar com os outros. Exemplos saltavam aos nossos olhos, relatos emergiam de todos os segmentos sociais. E, assim, nasceu a PaisDemia.
Bia, mãe, recém divorciada, 2 filhos – um de 11 anos e outra de 2 anos e 3 meses. Todos presos em casa. Trabalho remoto, separação, luto e os desafios de iniciar os novos processos – sala de aula na tela do computador, sala de estar com cara de parquinho da filha mais nova. Manter o funcionamento da estranha rotina repleta de roubos – sem abraços, sem convivência com a família, amigos, sem a possibilidade de escapar para qualquer lugar, que preservasse os momentos necessários de solitude.
Dado, pai, empresário e palestrante, acostumado a passar dias viajando pelo Brasil e o mundo entre eventos, cursos e palestras. O contato com o público e o carinho das constantes e inúmeras selfies pós-palestras desapareceram. Como se reinventar e continuar se comunicando com as pessoas? A febre das lives, dos encontros virtuais e, de repente, a mudança drástica no mercado de atuação. Dinheiro, tempo e o prazer de “fazer aquilo que tanto ama” sumiram.
Valesca, mãe, empresária, dona de escola, educadora e, de um dia para o outro, salas e pátios vazios, alunos em casa e os professores se adaptando ao novo modelo de trabalho. Cenário pós-guerra, com pais, alunos e professores, coordenadores, preocupados e temerosos. A educação reinventada, o contato físico roubado, a grande questão em como manter o vínculo com crianças pequenas através das telas? Por outro lado, vendo os pais e filhos descobrindo o real papel da escola.
Marisa, esposa, mãe e avó, psicóloga, professora, pesquisadora, acostumada a encontros com alunos e grupos e, subitamente, o distanciamento dos queridos, dos encontros, dos abraços. Todo o contato era perigoso. Adaptou-se ao confinamento, ao uso da máscara, à proibição de seguir sua vida como estava acostumada. A vida, e o que acontecia no mundo, lhe vinha através das telas – do computador, do iPad, do celular, da TV. Sentiu o peso da perda da liberdade e o medo do contágio, da doença, da morte.
De Brasília, Bia desabafava com o Dado sobre os seus desafios pessoais, mãe, profissional e as loucuras que estavam acontecendo na escola do seu filho mais velho. Sim, loucuras! Pais deprimidos, a maioria brigando com a escola por conta de dinheiro, grupos de Whatsapp “pipocando”, nos quais os pais desabafavam e brigavam entre si, defendendo pontos de vistas individuais.

Do outro lado, Dado escutava os relatos e os identificava nos diálogos com a Valesca, educadora, proprietária de escola, curadora de arte. Ela relatava sobre a “bomba que havia atingido a escola”. Durante várias conversas sempre vinha à tona a expressão “cenário de guerra”.
Os escombros não eram o concreto das paredes e muros e, sim, os desmontes psicológicos. Valesca, nas conversas e estudos com a Marisa, com um olhar filosófico sobre a existência humana, dialogavam sobre os fenômenos que estavam acontecendo ao seu redor.
Formamos um quarteto, com o compartilhamento de nossas diferentes áreas de trabalho, experiências e saberes, para pensar como a pandemia estava afetando pais e filhos. Diante do drama histórico que vivenciamos, saímos para as “ruas possíveis” e fomos falar com as pessoas. Escutando, nos escutávamos e, como nosso alívio de escuta, fala, pensamento e escrita, também nos aliviamos.
Coletamos relatos dramáticos, pungentes, mostrando que a pandemia não era apenas a epidemiológica. Vacinas surgiriam e as rotinas em algum momento seriam retomadas, porém, a devastação interna nos pais permaneceria viva nos filhos. Compreendemos que nosso olhar não deveria ser direcionado, exclusivamente, aos filhos, mas, também, e principalmente, aos pais. Quais serão os impactos dessa guerra neles, nos próximos dez anos?

Esse questionamento nos moveu a ir a campo e perguntar às pessoas: o que a pandemia roubou de você? Percebemos a presença do medo como uma marca desse momento. Sim, todos estamos com medo – pais, avos, adolescentes, crianças. Também se apresenta a saudade, que já se anuncia como o próximo tópico da pesquisa. Vamos juntos nessa caminhada, Pais e Filhos!