**Texto por Welder Cardoso Oliveira, educador social, professor de Matemática, membro do Coletivo Pais Pretos Presentes e do Movimento de Espiritualidades e Juventudes Libertadoras, pai de João Francisco
Um dia me peguei pensando: e se eu fosse meu filho, qual relação teria comigo mesmo, enquanto pai? Viajei de forma atemporal, para tentar responder essa pergunta. ATENÇÃO, meu eu criança, era chamado de Dinho e o meu atual, Welder. Bom, voltei para visitar Dinho, reconheci o seu modelo de pai e de paternidade ideal, mas o pai real dele é um homem negro, que infelizmente não conheceu o pai, criado por uma mãe solo, que viu no avô materno, um homem carinhoso e cuidadoso. Que começou a trabalhar muito cedo. Dinho era feliz com o pai que teve.
Isso tudo potencializou a vontade de Dinho de ser pai, de fazer o que seu pai fazia de bom e melhorar outros pontos. Seu pai, ele lembrava carinhosamente, levava ele a feira, para comer feijoada em alguns sábados, em outros, ele ia ver o treino na escola. Lembra com carinho de um abará que chegava à noite, junto com seu pai e ele amava a chegada dos dois. Mas, Dinho confessava, sentia falta de um “eu te amo”, de um abraço aleatório, confessou também que sentia vergonha de falar com seu pai no bar, apesar de nunca o ter visto bêbado.
Falava do medo que sentia, apesar de tudo, apesar do pai tranquilo, de nunca ter batido nele, existia aquela velha fala: vou falar com teu pai, você vai ver. Ele era vendido como o que resolveria todas as situações. Welder e Dinho sentem esses desejos, ausências, medos, vergonhas e alegrias. Tiveram um pai em casa, presente, puderam vivenciar coisas que o pai dele não teve oportunidade. Hoje, Welder exerce com zelo, presença e cuidado a paternidade preta. Welder, era o que Dinho sonhava, um pai que leva seu filho para todos os lugares, que troca todas as fraldas, corta unha e dá banho. Hoje é ele quem cuida do cabelo do filho, fazendo ser um momento sagrado, de troca, cuidado, conexão e afeto.
Welder, reza ao tempo para ir devagar, mas sonha em poder levar seu filho à feira, em poder comer uma feijoada no sábado pela manhã, jogar bola e tudo mais, como seu pai fez. Ele sabe que tem muito a melhorar, tem um caminho longo a seguir, de autocuidado, de partilha, de transformação da masculinidade e do estereótipo do homem negro, mas ele deve se orgulhar, pois apesar de tudo, todo nós, homens negros, estamos conseguindo modificar uma história dada a nós, estamos conseguindo paternar, cuidar, amar, sem vergonha de dizer e demonstrar.
Isso é motivo de orgulho, de satisfação, Welder sabe que ao caminhar ele pode se perder, “mas vez em quando é bom se perder, perdido fica perguntando, vai só procurando e acha sem saber”, como traz Chico Cezar. Essa viagem meus irmãos é um convite. Façam, a passagem é de graça e de valor incalculável. É pra dentro, bem fundo no nosso ser, é uma conexão ancestral. Sejamos cada dia melhores nas nossas demandas de afeto, cuidando da gente, para que nosso eu criança, para que seu Dinho, tenha orgulho do homem que você é e principalmente do pai que você se tornou e ainda pode se tornar.