Elas estão em todos os lugares, mas quase ninguém fala sobre elas. São mulheres que dedicam suas vidas ao cuidado de filhos com deficiência e, muitas vezes, fazem isso sozinhas, enfrentando uma rotina puxada, repleta de obstáculos e pouca ou nenhuma rede de apoio. Neste Dia das Mães, é hora de voltar o olhar para quem encara jornadas duplas, triplas e, muitas vezes, solitárias no cuidado com filhos com deficiência.
Segundo o IBGE, 18,6 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência. Em muitos casos, quem está na linha de frente dos cuidados são as mães. Elas enfrentam noites em claro, consultas médicas frequentes, terapias, burocracias e uma carga emocional enorme — tudo isso, muitas vezes, com o abandono do parceiro e a ausência do Estado.
Cuidar é amor, mas também é trabalho
“Todo o sacrifício feito por essas mães merece reconhecimento e suporte. É urgente que o Estado as reconheça não apenas como cuidadoras, mas como cidadãs de direitos plenos, que precisam de apoio psicológico, financeiro e estrutural”, afirma o Defensor Público Federal André Naves, especialista em inclusão social.
A sobrecarga é real: muitas mães deixam o mercado de trabalho para cuidar integralmente dos filhos, abrem mão da própria saúde e bem-estar e ainda se sentem invisíveis diante das políticas públicas. De acordo com Naves, “a sociedade transfere de forma injusta e quase exclusiva a responsabilidade do cuidado para essas mulheres, o que perpetua desigualdades e as silencia”.
Projetos de lei podem mudar esse cenário
Hoje, o Governo Federal oferece o auxílio-inclusão apenas para pessoas com deficiência que trabalham e ganham até dois salários mínimos. Mas e as mães que não podem trabalhar porque precisam cuidar integralmente dos filhos?
Dois projetos de lei tramitam com propostas que podem mudar essa realidade. O PL 461/24 propõe o Programa Auxílio Cuida Mais, que prevê o pagamento de R$ 1 mil mensais para quem cuida de pessoas com deficiência que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Já o PL 1.179/2024, chamado de Cuidando de quem Cuida, quer garantir acompanhamento psicológico e terapêutico para essas mães, além de atenção à saúde integral.

Uma história que representa muitas
Helena Zynger é uma dessas mães. Há mais de 50 anos, ela cuida da filha Denise, que tem deficiência intelectual e passou a vida enfrentando desafios — das convulsões na infância às dificuldades com escolas que se diziam inclusivas, mas não estavam preparadas na prática.
“Precisei adaptar tudo para cuidar dela. Como mãe, uma das coisas que sempre considerei mais importantes era que, mais do que aprender apenas na escola, ela soubesse se virar sozinha, com autonomia. Então, passei a valorizar mais isso no seu dia a dia. Denise participa do Chaverim desde 1999 e isso tem feito muito bem para ela. Apesar de tímida, é muito carinhosa, e hoje em dia já se comunica melhor e aproveita muito mais as atividades. É uma mulher e filha maravilhosa: proativa, doce e muito carinhosa”, conta Helena.
O Grupo Chaverim, em São Paulo, é um dos exemplos de como iniciativas locais podem fazer a diferença. Além de promover atividades para pessoas com deficiência intelectual e psicossocial, também acolhe mães e famílias.
O que essas mães realmente precisam
Não faltam demandas — e elas são muito mais que justas. Confira algumas das principais reivindicações dessas mulheres:
- Reconhecimento do cuidado como trabalho: políticas públicas que garantam um salário ou aposentadoria especial para quem cuida.
- Rede de apoio estruturada: com psicólogos, terapeutas, educadores e cuidadores para apoiar as famílias.
- Educação inclusiva de verdade: com profissionais preparados, transporte adaptado e acessibilidade garantida.
- Saúde pública especializada e contínua: com acesso a terapias, medicamentos e profissionais especializados.
- Empregabilidade com flexibilidade: programas que permitam jornada reduzida ou trabalho remoto para mães atípicas.
- Moradia e transporte acessíveis: prioridade em políticas habitacionais e adaptação do transporte público.
É hora de agir
A Defensoria Pública da União tem atuado para garantir os direitos dessas famílias, por meio do Grupo de Trabalho Atendimento à Pessoa Idosa e à Pessoa com Deficiência (GT-PID). Em alguns estados, como Minas Gerais, surgem iniciativas como incubadoras públicas para empreendimentos populares voltados a mães e cuidadores de PcDs, um passo importante para oferecer autonomia e renda.
“Precisamos de políticas públicas baseadas em evidências, que escutem as demandas dessas mães e transformem o seu cotidiano”, reforça André Naves. “Isso significa garantir renda, acesso à saúde e oportunidades reais de autonomia.”
Neste Dia das Mães, mais do que flores ou homenagens, essas mulheres precisam ser vistas, ouvidas e apoiadas de forma concreta. Porque cuidar é um ato de amor, mas também é um trabalho — e nenhum trabalho deveria ser feito sozinha.