Durante uma reportagem exibida pelo “Fantástico” no domingo (3/8), veio à tona uma gravação delicada envolvendo dois profissionais da área de manutenção da companhia aérea Voepass. O conteúdo da ligação, feita cerca de um mês após o trágico acidente com o ATR 72-500 em Vinhedo, no interior de São Paulo, revela um cenário preocupante: ordens superiores teriam silenciado um alerta sobre falha mecânica detectada pouco antes da tragédia.
Um dos mecânicos, sem saber que estava sendo gravado, desabafa sobre o peso que carrega desde o ocorrido. Em suas palavras, ele expressa profunda angústia e arrependimento: “Eu estou com um remorso desgraçado. Eu não estou nem conseguindo dormir desde isso aí. Errei, errei de não ter mandado por escrito”.

“Fugiu da minha alçada”
Na conversa, o funcionário conta que foi orientado a não registrar formalmente o problema. Ele afirma que a situação saiu do seu controle: “Eu não tinha mais o que fazer. Tipo assim, foge do meu cargo, foge da minha autoridade, de tudo”. O relato indica que ele se sentiu impotente diante das decisões que vieram de níveis superiores da empresa.
Outro colega, que participa da ligação, o aconselha a sempre guardar provas de situações críticas: “Por isso que a gente sempre usa aquela tática: printa, manda para o seu celular, guarda isso daí em algum lugar. É uma sujeira que fico, a cada dia que passa, mais enojado com isso”. A conversa lança luz sobre uma possível cultura de silêncio e omissão dentro da companhia.

Informações omitidas no diário de bordo
Investigações recentes apontam que dados relevantes foram excluídos do registro oficial da aeronave pouco antes do voo. Essa omissão teria ocorrido mesmo após alertas internos sobre falhas técnicas da aeronave da Voepass. Um dos indícios mais preocupantes é o relato de outro mecânico, que havia identificado defeitos no sistema de degelo do avião. Ele afirmou que tentou relatar o problema ao comandante, que chegou a solicitar manutenção, mas sem formalizar a ocorrência.
De acordo com esse segundo profissional, o ambiente de trabalho na companhia era tenso e marcado por cobranças. “A gente voava sob pressão. Não dava pra ficar colocando sempre pane na aeronave”, teria dito, evidenciando a falta de liberdade para reportar problemas técnicos com frequência.
Tragédia com 62 mortos
O acidente ocorrido em Vinhedo resultou na morte de 58 passageiros e 4 tripulantes. A aeronave, que enfrentava problemas técnicos não solucionados, caiu logo após uma tentativa de pouso emergencial. A tragédia reacendeu o debate sobre a segurança operacional nas companhias aéreas regionais e a importância da autonomia técnica das equipes de manutenção.
A revelação dos áudios e das falhas ocultadas tem gerado comoção entre especialistas do setor e familiares das vítimas. A expectativa é que as investigações avancem e que medidas sejam tomadas para evitar novos episódios semelhantes.